segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Vidigal: interesse político pela favela varia de acordo com a estação

Por Evandro Pereira

Passaram-se cinco meses desde que deslizamentos de terra provocados por um temporal causaram mortes e muitos transtornos a moradores do Vidigal. À época, assim como agora, os proprietários de habitações na comunidade – ameaçadas ou não – questionavam, diante de tamanha tragédia, o projeto de regularização fundiária co-elaborado pelos Ministérios da Justiça e das Cidades, seus propalados benefícios e suas reais conquistas. Agora, assim como à época, nada de prático é feito pelo poder público, ainda que a favela adquira certa relevância política durante o período pré-eleitoral. De concreto, somente os escombros de uma casa – onde mãe e filho faleceram – cobertos por lama e promessas.

sábado, 21 de agosto de 2010

Moradores do Morro do Fogueteiro lutam para permanecer em suas casas

Rafaella Barros (texto) e Elson Souza e Silva Jr. (texto e fotos)
Vista do morro do Fogueteiro, em Santa Teresa

















“Está tudo condenado”. Mário Medeiros, vice-presidente da Coligação das Favelas de Santa Teresa, disse que foi esta a sentença dos técnicos da Fundação Geo-Rio e da Defesa Civil em vistorias no Morro do Fogueteiro após o temporal do início de abril.

Moradores do Morro do Urubu ainda sofrem com as consequências das chuvas de abril

Texto e fotos: Rafaella Barros

O Morro do Urubu, ainda com o entulho das casas
demolidas após o temporal 
No Morro do Urubu, em Pilares, os deslizamentos que ocorreram em abril deste ano trouxeram mudanças para alguns moradores, mas também a sensação de abandono do governo para outros, apesar de todas as promessas feitas na época dos desastres.

O líder comunitário Anderson Ribeiro e a representante da Associação de Mulheres e Amigos do Morro do Urubu (Amamu), Sônia Regina, relataram o que aconteceu naqueles dias de chuvas torrenciais e o cenário posterior a eles.

domingo, 15 de agosto de 2010

Na Várzea das Moças, vida nova com o peso das lembranças

Laís Carpenter

Conseguir um novo local para morar depois que se perde tudo parece que basta, como se todos os problemas se resolvessem de uma hora para outra. Mas não é bem assim. A mudança brusca da rotina, a perda repentina das referências habituais nas pequenas coisas do cotidiano, os danos psicológicos provocados pela lembrança da tragédia se refletem no olhar vago e na falta de ânimo de quem sobreviveu e ainda ganhou casa com móveis e eletrodomésticos básicos.

No colégio Guilherme Briggs, a homenagem aos alunos mortos

Samantha Chuva

O Colégio Estadual Guilherme Briggs, no bairro de Santa Rosa, em Niterói, foi um dos muitos que acolheram quem perdeu suas casas durante as chuvas de abril. Porém, mesmo depois que os desabrigados foram transferidos para os 3º e 4º Batalhões de Infantaria, não pôde voltar à rotina como antes: cinco alunos morreram na tragédia. Em homenagem a eles, a diretora, Alcinéia Sousa, reuniu os estudantes e juntos fizeram um minuto de silêncio e desenhos. “Nessa hora eu percebi que a vida é muito bonita e que não podemos perder tempo com coisas pequenas, com brigas tolas e egoísmo. Temos que olhar uns pelos outros. Viver intensamente e agradecer por esta oportunidade”, disse.

O colégio recebeu 42 famílias, aproximadamente 150 pessoas, entre as quais idosos, grávidas, crianças e os próprios alunos, além de ter servido também como pólo de arrecadação e distribuição de doações após a tempestade. “A primeira semana de chuvas foi a mais difícil”, recorda a diretora. “Eu estava ilhada em casa e me ligaram falando que a escola tinha que ser aberta para abrigar as pessoas.”

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Equilibrado entre caixotes, Waldir salvou o que pôde

Mariana Vita

Técnico em eletrônica no Tribunal de Justiça do Estado, Waldir Costa estava na casa de sua noiva em Icaraí quando a chuva começou. Até aí não parecia ser nada sério, mesmo assim ele achou mais seguro voltar para casa, um sobrado em cima do bar de seu pai, em São Gonçalo. Escolheu o momento em que a chuva diminuiu e um ônibus que o levasse por um caminho com menos alagamentos, já estava acostumado com as enchentes.

Quando chegou em casa, encontrou a calçada alagada, como de costume nos dias chuvosos em sua rua. Na manhã seguinte já não pôde ir ao trabalho: o bar estava com água até a altura dos joelhos. “Era impossível fazer qualquer coisa para tentar impedir que a água entrasse”. Na rua, árvores caíram e seus troncos eram levados pela corrente. O portão da casa dos vizinhos foi derrubado, alguns muros foram ao chão, inclusive o do condomínio onde morava sua irmã.

Nos Prazeres, Cuíca resiste. Com serenidade e firmeza

Felipe Pontes Teixeira

A água escorre livremente de uma mangueira durante toda a manhã do domingo de céu azul e se infiltra na grande língua de terra que corta o emaranhado de concreto ao meio. Apesar de asfaltado, o chão permanece impregnado pela cor da lama. Um homem lava sem pressa, com a ajuda do filho, duas Kombis estacionadas logo abaixo de um muro de contenção. Enquanto isso, funcionários da Oi restabelecem uma linha telefônica, dependurados num poste. A menos de 10 metros de distância, faz exatamente 47 dias, um deslizamento de terra matou 31 moradores no Morro dos Prazeres, favela de Santa Teresa.

A solidariedade da professora vizinha ao Morro do Beltrão

Camille Grandin

A professora Marcela Fogagnoli, de 25 anos, moradora do bairro Santa Rosa, em Niterói, teve sua rotina alterada no último dia 5 de abril devido às fortes chuvas que caíram sobre o estado do Rio. Durante a madrugada, o Morro do Beltrão, na sua rua, desabou, deixando vários conhecidos seus desabrigados.

Ao acordar, por volta das 7h da manhã, Marcela se deparou com um intenso movimento e com inúmeras casas destruídas. Sua primeira reação foi de pânico, depois de comoção. “Minha primeira atitude foi oferecer minha casa aos parentes dos desaparecidos, caso precisassem comer, tomar banho, descansar, enfim. Eu sentia que precisava ajudar de alguma maneira. Não só eu, mas muitos moradores subiram o morro para prestar socorro às vítimas”, contou.

“Onde nos botarem, tá bom”

Ana Carolina Ferreira Martins

O casal José Soares Lino, de 56 anos, e Maria da Conceição Oliveira, de 60, aceitou a contragosto falar da tragédia vivida no dia 6 de abril. Cansados do insistente assédio dos repórteres durante tantos dias, os dois se mostraram irritados no início. Mas, aos poucos, a conversa foi se desenvolvendo.

Dona Maria demonstra interesse, apesar da precária situação de saúde em que se encontra. Sentada em uma cadeira de rodas por causa de um acidente vascular cerebral três meses antes do desastre no morro, com os movimentos bastante prejudicados, ela acompanha atentamente a fala do marido sobre o dia da tragédia.

José conta que, como sua casa estava em obras, ele e a esposa estavam passando uns dias numa outra residência, onde moraram anos atrás. Dava o jantar à esposa quando as luzes se apagaram. Logo vieram dois estrondos fortes e muita lama.

A ação de um anjo da guarda

Priscilla Hoelz Pacheco

Com os olhos mareados, o pedreiro Sebastião Nascimento mostra as últimas peças de roupa que sobraram de tudo que tinha antes de a chuva “carregar tudo embora”. Mas não se deixa abater. Logo põe um sorriso no rosto e exibe com orgulho as filhas, a mulher, Marta, e a patroa dela, Lúcia – que a família considera seu “anjo da guarda”.

O pesadelo começou na madrugada de 6 de abril, quando Sebastião soube, pelo telefonema de uma vizinha, do desabamento de sua casa. Ele e a família estavam na comemoração do aniversário da irmã de Marta, no Cubango, quando receberam a notícia de que a chuva havia destruído boa parte do Morro do Beltrão, em Santa Rosa. Sebastião disse que achou, no início, que o telefonema fosse uma brincadeira de mau gosto. Levou um choque quando chegou ao morro e viu o que tinha acontecido com a casa em que morava há três anos com a família.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A dança em nome da solidariedade


Roberta Amazonas

O impacto com a tragédia das chuvas e a sensibilidade com o drama de vizinhos e conhecidos que perderam suas casas levou o pessoal do grupo Nikit Dancers a promover, nos dias 15 e 16 de maio, um workshop solidário de hip hop e danças urbanas na quadra do clube Canto do Rio, principal posto de recolhimento de doações.












Evandro Pereira Silva

Deslizamentos de terra provocados pela chuva torrencial que desabou no Rio de Janeiro entre os dias 5 e 7 de abril causaram a morte de duas pessoas no Vidigal, Ana Maria Freire e seu filho Dário, soterrados enquanto dormiam. A casa em que viviam foi erguida em área de risco, em plena encosta. O armador de construção Marinaldo, chefe da família, escapou porque estava na cozinha, único cômodo da casa a se manter de pé, no instante do desabamento, por volta de quatro da manhã do dia 6.

Uma mudança no meio do temporal

Juliana Sampaio de Souza

Daniele Ramiro de Araújo morava com seus pais em São Fernando desde que tinha um ano de idade. Ela cresceu rodeada por familiares e amigos nesse sub-bairro de Santa Cruz, na zona Oeste do Rio de Janeiro. O tempo passou e ela se tornou professora, se casou e teve um filho, sempre na mesma casa. A mesma casa até o começo de abril, quando um temporal mudou a vida dela, e a de muitas outras pessoas no estado.

Daniele morava na casa dos pais, a empregada Telmi e o carpinteiro Dejacir, com o marido André Luiz, que, assim como ela, tem 29 anos, e o filho do casal, Alan Felipe, de 2. O susto foi grande ao chegar em casa e ver a rua cheia e os vizinhos em polvorosa. Com ajuda, alguns móveis ainda puderam ser salvos, mas ninguém se machucou, e isso é o que realmente importa para eles.

Psicóloga se mobiliza para amparar sobreviventes

Luiza Leite Ferreira

A rotina da psicóloga e especialista em educação especial Regina Gloria Silva Jorge Mussi, 55 anos, recentemente licenciada para se aposentar da Rede Estadual de Educação, era tranquila. Mãe de três filhos, já adultos, dois ainda na universidade, e recentemente separada, moradora no bairro de Icaraí, em Niterói, com uma filha, caminhava no calçadão da praia, cuidava dos pais idosos, zelava pelo bem-estar dos filhos e, como toda avó coruja, paparicava a netinha de poucos meses de idade.

Mas, desde a catástrofe no Morro do Bumba, a vida de Regina mudou. Já acostumada com a ideia de relaxar e aproveitar a aposentadoria, viu-se retornando para sua atividade de origem, a psicologia, após longo tempo atuando como professora.

Pesquisadores reafirmam estudo que alertava para a urgência de prevenção em 2007

Por Mário Cajé

Os pesquisadores responsáveis pelo Plano Municipal de Redução de Risco reafirmaram, em nota divulgada no dia 19 de abril, a qualidade de seu trabalho, que mapeava as áreas de risco em Niterói e alertava para a necessidade de ações emergenciais em 2007, ano de conclusão do estudo. A nota foi uma resposta à entrevista coletiva do prefeito da cidade, Jorge Roberto Silveira, e do reitor da UFF, Roberto Salles, publicada em destaque pelo jornal O Globo em 15 de abril. De acordo com a reportagem, o reitor declarou que o estudo estaria incompleto, já que “os técnicos da prefeitura solicitaram alguns ajustes e o trabalho voltou para revisão”. A declaração causou mal-estar, pelo que significava como desqualificação do trabalho dos pesquisadores da própria instituição.

“Inicialmente, pensamos em também convocar a imprensa para dar a nossa versão dos fatos, mas optamos pela divulgação da nota”, disse o professor Élson do Nascimento, que coordenou a equipe de pesquisadores do PMRR e assina o documento com a professora Regina Bienenstein, coordenadora do Nephu (Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos da UFF). “Reafirmamos que fizemos o nosso trabalho e que estamos prontos para revisar, analisar, contribuir com o que for, mas o nosso objetivo principal é que o trabalho seja implementado”. O que a equipe defende é a necessidade de eventuais atualizações, sobretudo considerando-se que o referido estudo foi concluído em 2007.

Na nota, os coordenadores do projeto apresentam as áreas de ocupação, classificadas em quatro categorias, de acordo com o que preconiza o Ministério das Cidades: riscos baixo, médio, alto e muito alto. Pelo estudo, o Morro do Bumba estava entre as áreas de risco alto e o Morro do Céu, entre as de risco muito alto.

A pesquisa identificou e classificou 142 pontos de risco, apresentando propostas de solução, com seus respectivos custos operacionais. O documento foi entregue à prefeitura de Niterói no início de 2007, que respondeu com um ofício encaminhado à UFF, com alguns comentários, solicitando que a própria prefeitura concluísse o estudo. “Mesmo diante da inusitada e unilateral decisão da prefeitura de Niterói, a equipe técnica da UFF atendeu àqueles comentários considerados pertinentes e procurou dar resposta aos demais”, encaminhando minuta ao ofício no dia 10 de maio de 2007.

A equipe responsável pelo projeto tem se mostrado comedida na divulgação dos detalhes dos relatórios por entenderem que estes documentos pertencem à prefeitura e que competiria às autoridades municipais a iniciativa de sua destinação final.

No entanto, os professores que assinam a nota não deixaram de questionar a generalização da idéia de remoção insistentemente difundida pelas autoridades, como solução para prevenir novas tragédias: “A ‘remoção’ de famílias e casas em áreas de risco como alternativa predominante para o tratamento dos assentamentos populares tende a criar um falso problema, pois traz com ela a idéia de que ‘os pobres estão sempre no lugar errado’”. Eles defendem o tratamento diferenciado para cada caso, que pode significar a permanência das pessoas nas áreas já ocupadas, o reassentamento parcial ou o reassentamento total, para áreas próximas, e sempre com a participação da comunidade afetada.

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Entrevista com Elson: "O Morro do Céu é uma situação típica de remoção"

Por Mário Cajé e André Coelho

Em sua sala na Escola de Engenharia da UFF, o professor Elson do Nascimento mostra os documentos do PMRR (Plano Municipal de Redução de Riscos de Instabilidade de Encostas e de Inundação), que estiveram no centro da polêmica em torno da responsabilidade da prefeitura de Niterói sobre a tragédia no Morro do Bumba. O estudo, coordenado por ele, reuniu uma equipe de 16 pessoas, entre docentes e estudantes de graduação e pós-graduação, e foi entregue à prefeitura no início de 2007. Previa o investimento de R$ 19 milhões em obras para as áreas de risco em todo o município. Agora, diz o professor, os gastos com as consequências das chuvas, para Niterói e São Gonçalo, são calculados em R$ 200 milhões. Pior: “quando se liberar algum recurso, o problema será outro: a dengue, a segurança pública, alguma outra prioridade”, e o problema das encostas passará novamente para segundo plano.

Nesta entrevista, Elson fala das dificuldades enfrentadas pelos pesquisadores para verem as consequências práticas de seus estudos e alerta para a situação emergencial no Morro do Céu: “ali é uma área totalmente imprópria para habitação. Não há alternativa senão a retirada das pessoas”.

A partir do ocorrido no Morro do Bumba, o senhor sabe se a prefeitura de Niterói reavaliou sua posição sobre os estudos, procurando adotar as medidas propostas pela equipe técnica?

A história da humanidade mostra que as tragédias levam, naturalmente, à mudança de comportamento. As medidas que estão sendo tomadas agora são emergenciais e normais em eventos desse tipo: atendimento às vítimas, realocação, resolução dos casos de óbito. Os problemas climáticos devem ser tratados preventivamente, lembrando que estamos num clima tropical, caracterizado por chuvas intensas a partir de dezembro até março ou abril. Só daqui a alguns meses poderemos avaliar se houve de fato esta mudança de comportamento.

Existem estudos similares atualmente sendo desenvolvidos pela UFF?

Nós desenvolvemos e já concluímos o PMRR para a cidade de São Gonçalo, nos mesmos moldes do que foi desenvolvido para Niterói. Este plano faz parte de uma iniciativa do Ministério das Cidades e hoje, pelas informações que possuímos, 66 municípios dispõem do estudo. O objetivo é orientar a aplicação de verbas de forma preventiva, propondo, no caso das encostas, as drenagens e as obras de geotecnia para que, assim, as ações surtam efeito para o período seguinte de chuvas.

Desses 66 municípios, quais realizaram as propostas?

O Rio de Janeiro é um deles. O Rio já vem trabalhando nesta linha há bastante tempo, bem antes do plano, criando, inclusive, a Geo-Rio, uma empresa municipal dedicada exclusivamente à contenção de encostas. Existe também a Rio Águas, responsável pela parte de drenagem. Pela cidade do Rio é possível observar obras estruturais de engenharia bem significativas, preventivas. O deslizamento é, na verdade, um processo natural, já que a crosta terrestre vai sendo moldada ao longo dos milhões de anos, sobretudo pela ação dos ventos e das águas. O que não é natural é que haja residências nos locais impróprios. A intervenção humana, de maneira geral, acelera o processo de erosão, mas, com certeza, também pode retardá-lo, se esta intervenção ocorrer de forma adequada.

Como é o processo desde a elaboração até a aplicação dos estudos?

São dois momentos: primeiro a universidade faz o estudo, a pedido das prefeituras. A implementação é o segundo momento e depende exclusivamente da prefeitura. Pode haver, inclusive, o convite para que a universidade acompanhe e assessore a aplicação do plano. Isto é o máximo que a universidade pode fazer, uma vez que ela não é um órgão executivo. Assim, se formos convidados a colaborar na implantação do sistema, há por parte da universidade o interesse em participar, mas isso depende das administrações. 

Se as propostas sugeridas pelos pesquisadores não têm sido implementadas pela prefeitura de Niterói, qual teria sido a razão da solicitação dos estudos? O senhor considera que haja realmente a intenção de realizar os projetos?

É muito difícil dizer a razão para isso. O objetivo da universidade é realizar os estudos, seja para as prefeituras ou para o setor privado, quando este solicita pesquisas e consultoria para o planejamento das suas decisões. No entanto, a pesquisa pode servir apenas como uma eventual alternativa, não havendo obrigação em seguir as propostas do projeto. 

A prefeitura tinha algum estudo paralelo?

Não. Houve estudos anteriores, mas não tão detalhados. Este plano cobria todo o município. O Instituto de Geociências da UFF também fez um estudo em nível municipal, mas que abrangia especificamente a parte geológica e serviu de entrada para o PMRR. Não sei por que o plano não foi aplicado. As prefeituras possuem muitas demandas e existe uma lógica, de certa forma, perversa. As aplicações e as decisões governamentais atendem mais a classe média que a pobre. Enquanto as instituições privadas costumam aplicar as consultas feitas à universidade, na gestão pública a lógica é diferente. No caso específico deste plano, o orçamento previsto para todo o município de Niterói foi de R$ 19 milhões. Para o Morro do Bumba, foram previstos R$ 419 mil para obras de engenharia, estruturas de drenagem e geotécnicas. A metodologia previa obras de baixo custo. Pelas informações que temos, em 2009 foram aplicados R$ 50 mil em contenção de encostas para todo o município, o que, de fato, é muito pouco. Ainda em 2004, quando visitamos o Morro do Bumba, detectamos problemas de drenagem na estrada.

Qual seria, em Niterói, a área em que a desocupação seria mais urgente?

Numa avaliação geral, pelo menos 30% da população de Niterói, cerca de 150 mil pessoas, vivem em encostas. Dessas, há um número muito elevado morando em áreas de risco, e por isso não é possível, em curto prazo, promover uma desocupação. No PMRR estão previstas algumas realocações dos pontos que estão na linha do encaminhamento natural das águas. Destes locais as pessoas devem ser retiradas. A nossa proposta é que a realocação deve se dar apenas nos casos extremos, até mesmo pela viabilidade. O plano orienta a priorização das obras de drenagem e de contenção de encostas, mas principalmente as de drenagem. Mesmo os terrenos mais frágeis, se forem bem drenados, dificilmente sofrerão deslizamentos. Por outro lado, com o tempo, a erosão e a ação das águas, mesmo a estrutura geotécnica mais bem plantada pode se tornar perigosa. Por isso, não só os pobres são atingidos, mas também as mansões, casas de classe média e alta, construídas dentro de toda a técnica de engenharia. Se não forem observadas, as alterações do encaminhamento natural das águas podem, num processo lento, fazer com que a estrutura se torne uma área de risco. A grande questão é a falta de preocupação com a drenagem.

No PMRR, o Morro do Bumba está definido como área de risco, enquanto o Morro do Céu foi classificado como área de grande risco. Como o senhor avalia a situação atual do Morro do Céu?

O Morro do Céu é uma situação idêntica à do Bumba. A diferença fundamental é que o lixão do Morro do Céu ainda está ativo. A imprensa divulgou que, de imediato, já se decidiu pela retirada da população do morro. Aí já não é uma ação emergencial, mas sim uma atitude preventiva, porém resultante de um clamor popular. O Morro do Céu é uma situação típica de remoção. Não adianta drenar, replantar a vegetação, ali é uma área totalmente imprópria para habitação. Não há alternativa senão a retirada das pessoas.

Sabendo da tradição de nossa política de abandonar tudo o que gestões anteriores realizaram, ainda que em benefício da população, como o senhor encara a descontinuidade da aplicação dos projetos, decorrente de mudanças de administração e de orientações político-partidárias?

A classe política do Brasil, com raras e honrosas exceções, tem evoluído muito pouco em relação às suas atitudes. Infelizmente, as situações clássicas de gestão do voto prevalecem nas decisões administrativas. Eu diria que, em relação à sociedade como um todo, a política tem fracassado em termos de avanço da postura. O servidor público não deve fazer voto de pobreza, mas o que não é aceitável é deixar de tomar certas atitudes por serem eleitoralmente desfavoráveis. Tanto no Rio como em Niterói, depois da tragédia, o que tenho visto é uma mobilização intensa, com máquinas, homens, veículos, equipamentos. Vemos que eles têm os equipamentos, os recursos, mas não há esta mesma mobilização de forma preventiva. A Holanda, por exemplo, é um país que tem um problema típico de drenagem, precisando drenar dia e noite. Pelo menos 20% do país estão abaixo do nível do mar. Já é da cultura da sociedade holandesa que o governante que não cuidar da drenagem, não fizer a limpeza dos canais, não se reeleja. Quando chega o período anterior às chuvas, esta é a prioridade número um. Aqui, quando assumirmos este comportamento, faremos obras preventivas nos meses em que não chove, já que soluções emergenciais são limitadas, pois quando vêm as chuvas, novamente o problemas aparece. Numa reunião do governador com os prefeitos de Niterói e são Gonçalo, fez-se uma estimativa de mobilização de R$ 200 milhões para as encostas, enquanto o PMRR custaria R$ 19 milhões. O discurso da liberação dos recursos no momento da tragédia, que gera visibilidade na imprensa, vai, do ponto de vista prático, se diluir e quando se liberar algum recurso, o problema será outro: o trânsito, a dengue, a segurança pública, enfim, alguma outra prioridade que vai canalizar a atenção de todo o sistema de gestão. O problema passará novamente para segundo plano. Esta lógica tem que se repensada.

Tudo isso obviamente envolve uma mudança de consciência também por parte da população...

Claro. Neste ponto os profissionais da área de comunicação podem contribuir muito. A imprensa acompanhou de perto o processo de elaboração do plano e eu acreditei que daria certo. Infelizmente ainda não foi desta vez. O estudo está parado. 

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Entrevista com Julio Wasserman: " Estudos não geram votos"

Por Adriana Martins e Karla Vidal

Coordenador da Rede UFF de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, o professor Júlio Wasserman, do Departamento de Análise Geoambiental, acusa a prefeitura de Niterói de descaso na realização de pesquisas que possam orientar ações preventivas de tragédias como a que ocorreu no início de abril. Nesta entrevista, explica também os cuidados necessários para a instalação de aterros sanitários e indica formas alternativas para o tratamento do lixo urbano. Mas não se limita aos aspectos técnicos: ao falar sobre os critérios para a definição do local para um aterro, diz que o principal “é que ninguém quer um aterro sanitário no jardim de casa. Por isso, eles normalmente são instalados em áreas de baixa resistência social, onde a população é mais ignorante, menos organizada e tem menor poder de voz”.


A Prefeitura de Niterói foi procurada para responder às críticas do pesquisador, mas não quis se manifestar.

O senhor realizou estudos sobre áreas de risco em Niterói?

Pessoalmente não fiz nenhum estudo deste tipo, pois a Prefeitura de Niterói tem sido muito refratária ao financiamento de pesquisas da UFF. Em 1995 tivemos um financiamento de R$ 20 mil da Prefeitura para estudarmos o impacto da construção de uma barreira no canal de Camboatá (Lagoa de Piratininga). Realizamos o estudo com grande sucesso, mas nos pagaram apenas 50% do valor contratado, através de convênio. Na UFF, o Prof. Elson do Nascimento, da Engenharia Civil, obteve algum recurso para fazer um estudo sobre drenagem, mas não pôde ir muito longe por descontinuidade. O Prof. Adalberto Silva, do Lagemar [Programa de Pós-Graduação em Geologia e Geofísica Marinha], também fez um estudo muito preliminar, analisando apenas a declividade das encostas. Veja que os estudos são muito significativos, mas a Prefeitura NUNCA esteve disposta a pagar estudos mais aprofundados. Os valores envolvidos giram em torno de R$ 50 a 100 mil, o que não dá para fazer um trabalho mais detalhado. 
Na verdade cabe à Prefeitura buscar os técnicos (e na UFF há muitos e extremamente competentes) e financiar as pesquisas, caras ou baratas. O que não pode é deixar a cidade neste estado. 
Uma coisa importante que vale sublinhar é que não nos cabe, como professores universitários ou servidores públicos fazer pesquisas gratuitas para prefeituras. Fazemos muitos estudos com recursos do CNPq, Finep, Faperj, entre outros, mas não é nossa missão paliar a irresponsabilidade de gestores públicos.

Os pesquisadores propõem estudos por iniciativa própria ou respondem a encomendas?

Já fizemos um número imenso de propostas às prefeituras de nossa região (Niterói, São Gonçalo, Maricá, Itaboraí, Rio de Janeiro, etc), contudo, nos alegam sistematicamente a falta de recursos. Na verdade o que existe é uma completa ausência de prioridade na realização de estudos. Os estudos não dão votos! E, além disto, mesmo quando fazemos estudos, eles esperam que resultem em obras que rendam votos. A coisa nem sempre funciona assim e, quando fazemos algum trabalho, acabamos provocando grande frustração. Imagine se uma pesquisa no morro do Bumba concluísse que as famílias precisariam ser retiradas dali. Isto não geraria voto (pelo contrário). Assim, em vez de estudos caros, a Prefeitura preferiu gerar infra-estrutura para aquela comunidade, resultando na catástrofe que acabamos de ver.

Mas a prefeitura não teria mesmo recursos para as pesquisas?

Não acredito que seja uma questão de custo, mas de prioridade. É impossível falar em custo elevado em uma prefeitura riquíssima como a de Niterói. Na verdade, tradicionalmente as autoridades que se sucedem em Niterói têm uma forte aversão à realização de estudos, principalmente concernentes ao meio ambiente. Basta verificar na Reitoria e na FEC (fundação da UFF) o montante de recursos repassados anualmente pela Prefeitura para execução de pesquisas. É muito provável que não ultrapasse a média de R$ 50 mil por ano, resultantes das ações de dois secretários que são professores da UFF aposentados!

Que impactos os aterros sanitários podem causar ao meio ambiente? Conhece alguma alternativa para os lixões? Como a cidade pode tratar seu lixo? 

Os impactos dos aterros sanitários podem ser minimizados de maneira significativa desde que sejam muito bem construídos e muito bem geridos, contando com sistema de tratamento de chorume (fase aquosa do lixo, sobretudo orgânico), programa de seleção e reciclagem do lixo, sistema de evacuação de gases com queimadores do metano, etc. Os aterros podem causar uma série de impactos, desde a emissão de gases de efeito estufa (metano e CO2), infiltração do chorume contaminado com metais pesados, poluentes orgânicos persistentes, matéria orgânica, hidrocarbonetos, etc., até impactos paisagísticos e sociais (comunidades de catadores). Um sistema alternativo para os lixões são justamente os aterros controlados, onde todos os possíveis impactos são controlados e monitorados (no lixão isto não acontece, pois é como um vazadouro de lixo, sem que nenhum procedimento de gestão seja realizado). Uma alternativa é a queima do lixo orgânico ou sua conversão por pirólise anaeróbica. Para estas duas tecnologias é necessário controlar a emissão de dioxinas, uma substância cancerígena emitida para a atmosfera que vai se depositar na vegetação e pode atingir o homem.
Atualmente um aterro sanitário ou aterro controlado pode ser uma área bastante segura e de baixo impacto ambiental, basta para isto a realização de grandes investimentos em tecnologia de preparação do solo, tratamento do chorume, etc. Eu particularmente defenderia a idéia de substituir os aterros sanitários por centros de tratamento de resíduos (comuns na Europa), onde existem sistemas de coleta seletiva, associados a empresas de reciclagem (ferro, alumínio, garrafas pet, papel, etc). Parte dos resíduos orgânicos pode ser dirigida a usinas de compostagem (a céu aberto ou anaeróbico), formando adubo orgânico (sistema aeróbico) ou biogás e outros combustíveis (sistema anaeróbico). O material inservível e não reciclável pode ser incinerado em fornos de plasma, que permitem a destruição das substâncias tóxicas que eventualmente são geradas na queima.

Qual a diferença exata entre lixão e aterro sanitário? 

Um aterro sanitário é uma área que foi estruturada para receber o lixo de uma cidade. Existem vários níveis e tipos de aterros sanitários, com diversos equipamentos para evitar impactos ambientais. O aterro do Morro do Céu, que atende à cidade de Niterói, é um aterro sanitário com nível de controle de impactos bastante baixo. Existem sistemas de evacuação de gases (o tal do metano), drenagem do chorume, existe uma separação muito simplificada dos lixos perigosos (hospitalares). Tem também um sistema de recobrimento (aterramento) do lixo por camadas, isto é, cada vez que as camadas de lixo atingem uma determinada espessura, elas são recobertas com um aterro composto por terra e entulho. Falta um sistema de tratamento do chorume (que é lançado nos rios da vizinhança), sistema de queima do metano (flares), separação mais cuidadosa dos lixos perigosos, com a construção de barreiras para evitar o acesso de catadores. Existe uma instalação para separação do lixo, mas está inativa e o lixo é catado no próprio vazadouro. 
Um lixão não tem nenhum tipo de organização e o lixo é simplesmente lançado no solo diretamente. Pelo que ouvi falar, era o caso do Morro do Bumba, mas não conheço nenhum registro histórico confiável.

Qual o critério de escolha do lugar para um aterro sanitário?

Existem vários critérios técnicos, como geologia do terreno, drenagem, tipo de solo, etc. Contudo, o principal critério é que ninguém quer um aterro sanitário no jardim de casa. Por isso, eles normalmente são instalados em áreas de baixa resistência social. Normalmente comunidades pobres, de baixa escolaridade e baixo nível de conscientização. A Barra da Tijuca, por exemplo tem lugares excelentes, do ponto de vista técnico, para instalação de aterros sanitários, contudo a resistência dos moradores impede sequer que consideremos tal hipótese.

Mas seria melhor construir um aterro sanitário na Barra do que em Gramacho (Duque de Caxias), Itaoca (São Gonçalo) e Morro do Céu (Niterói)?

Como disse, embora exista espaço, provavelmente será muito difícil construir um aterro sanitário na Barra, pois a pressão das empreiteiras e da população seria muito forte. A tendência seria a construção do novo aterro do Rio de Janeiro na Zona Oeste (Campo Grande, Santa Cruz e cercanias). São as áreas que chamamos de baixa resistência social, onde a população é mais ignorante, menos organizada e tem menor poder de voz. 

Seria possível permitir construções residenciais em cima de um antigo aterro sanitário? Sob quais condições? E em quanto tempo? 

Atualmente temos tecnologia para ir à lua, não vejo porque não seríamos capazes de construir por sobre lixões e aterros sanitários. Isto acontece em vários locais do mundo, contudo, a preparação para a construção é bastante complexa e na maioria das vezes é melhor fazer replantio de vegetação original. Conheço exemplos de construção de campos de golfe, áreas de lazer, entre outras. No caso do Morro do Bumba, nada foi feito. Trata-se de área de invasão, com acordo tácito do poder público que inclusive instalou infra-estrutura de arruamento. É interessante notar que a rua que desmoronou tinha nome, o que deve ter sido aprovado pela Câmara de Vereadores, mostrando o comprometimento de toda a sociedade política. 



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terça-feira, 10 de agosto de 2010

Morro do Bumba, dois meses depois

Texto e Fotos: Laís Carpenter e Priscila Motta

Tapumes e escavadeiras na entrada
do que restou do Bumba
Dos instantes de correria, pânico e desespero do dia 7 de abril restaram apenas duas escavadeiras, tapumes cercando o local, o chorume escorrendo pela terra ainda umedecida, lixo, destroços de casas e escombros do que sobrou do Morro do Bumba.

Defensora pública denuncia ilegalidade na demolição de casas em Niterói

Emily Luizetto

A defensora pública Maria Lúcia de Pontes denunciou que a prefeitura de Niterói vem demolindo de maneira arbitrária, indiscriminada e ilegal moradias situadas nos morros que sofreram deslizamentos durante o temporal do início de abril. “A Defesa Civil liberou apenas um auto de interdição para as casas, esse auto não permite que eles destruam nada”, disse ela. “As avaliações feitas nas casas são apenas visuais e sem nenhum estudo aprofundado. Antes da demolição deve ser feita uma avaliação com engenheiros e geólogos para elaboração de um laudo técnico conclusivo que condene as moradias, e um projeto de reassentamento das famílias”.

Morro Boa Vista, São Lourenço: “O medo maior é que ninguém mais olhe por nós”

Marcos Abreu e Maira Renou

Foram sete mortos no Morro Boa Vista, em São Lourenço, Niterói. Os próprios vizinhos retiraram os corpos, porque o número de bombeiros era insuficiente. Cerca de 70 casas foram atingidas e há muitas outras sob risco. Moradores relatam que a Defesa Civil ainda não chegou ao local e que só após cinco dias dos deslizamentos apareceram dois médicos, que trabalharam ali por dois dias e nunca mais retornaram. Falar da tragédia que deixou um rastro de dor e desespero no local é voltar na madrugada do dia 6 de abril e se lembrar de tudo o que foi perdido com a chuva. Alguns moradores preferem o silêncio, outros colocam seus filhos para darem depoimentos.

Quatro abrigos estão funcionando no local. Um deles é a Igreja São Lourenço dos Índios, que acolhe cerca de 200 pessoas. Os bancos da nave foram afastados para dar lugar a colchões e roupas espalhadas por um espaço que ficou pequeno para tanta gente. A área dos fundos da igreja se transformou no quintal de uma grande casa, com varais de roupas, crianças correndo e senhoras sentadas à espera de algum sinal. Até ir ao banheiro passou a ser uma tarefa difícil. Há apenas dois banheiros químicos do lado de fora, emprestados por uma empresa privada.
Na igreja, jovens se distraem jogando videogame

Em tom de determinação e olhar de tristeza, Andréia dos Santos Almeida, uma das coordenadoras do abrigo, moradora da comunidade e voluntária, relata:

“Todas as áreas do abrigo foram improvisadas e estão sendo mantidas pelos próprios desabrigados. No inicio tínhamos alguns problemas de convivência, mas isso está melhorando. A vida agora está retomando, muitos dos adultos já voltaram para o trabalho e as crianças para a escola. O problema é que quando uma situação não choca mais, que ela é normal, as coisas se acomodam. O medo maior é esse, que ninguém mais olhe para os desabrigados que ainda estão sofrendo demais, eles tem que dividir uma sala às vezes com mais de 10 pessoas e nem da mesma família são”.

O amparo ao idoso na creche 

Ferido na perna, Valdir recebe tratamento
na creche Nilo Neves
Em outro abrigo da comunidade, a creche municipal Nilo Neves, há aproximadamente 130 pessoas. Entre elas, 10 feridos que recebem cuidados de uma única enfermeira voluntária, e muitos idosos. Valdir Barros, um senhor de idade, por exemplo, mesmo com o telhado do seu barraco prestes a desabar, quis permanecer nele, sozinho, com um ferimento sério na perna direita. Foi encontrado vagando na rua e recolhido para a creche. A área onde costumava morar está interditada. É possível ver outras casas abandonadas, vazias. Famílias que deixaram para trás o pouco que tinham. E pior do que isto são as moradias que foram afetadas, parcialmente destruídas ou com risco iminente de desabar, ainda habitadas.

As atividades desta creche voltaram a funcionar parcialmente. Valéria Gomes, voluntária que está à frente deste abrigo contou que na parte da manhã as crianças e idosos vítimas dos desabamentos são assistidas pelos funcionários da creche, enquanto no período da tarde as aulas foram retomadas. Em escolas com um número maior de desabrigados, menor infra-estrutura e organização, não há nem mesmo a hipótese dessas atividades em “meio período”. É o caso do Colégio Estadual Conselheiro Josino, no bairro do Fonseca, que também funciona como abrigo e, em meados de abril, reunia cerca de 170 pessoas. A situação ali é muito mais delicada, como conta o coordenador, Daniel Soares:

“No dia da chuva, o colégio foi aberto pelos moradores. Com a ajuda de uns policiais conseguimos arrombar a porta e começar a acomodar as pessoas. Logo no início foi muito complicado controlar a situação, tinha muitas brigas, sujeira e tudo o mais. Foi preciso um trabalho para educar eles, o que ajudou muito foi a vinda de uma psicóloga, também voluntária, a cada dois dias. As aulas do colégio estão suspensas e sem previsão de volta, os desabrigados não tem nenhuma atividade aqui, se não trabalham ou estudam ficam aí pelo pátio e pelas salas. As salas de aula estão cheias, tivemos que ter cuidado também na hora de juntar as famílias para conviver”.

O medo de deixar tudo para trás

Uma das moradoras do abrigo, Luciana Silva, de 29 anos, relatou outras preocupações: “A minha casa foi interditada pelos bombeiros, já que a Defesa Civil não veio aqui ainda. Há oito anos a nossa casa já tinha sido condenada, mas, como nenhuma outra providência foi tomada, eu e minha família continuamos aqui. Até porque, quando interditam, os móveis das pessoas são levados para um depósito e ficam lá, estragando. Muita gente tem medo disso, que as poucas coisas que sobraram ainda sejam estragadas desse jeito”.

A Escola Municipal Paulo Freire, também no bairro do Fonseca, abriga 180 pessoas, todas do Morro São José 340. Segundo a diretora, Jadinéia Cesário, graças às doações, a escola está bem abastecida com roupas, mantimentos e produtos de higiene. No entanto, o que sobra de material falta em assistência pessoal. Não há psicólogos, médicos, copeiro para fazer as refeições ou porteiro para vigiar a escola. “Nosso maior problema é a falta de remédios e de funcionários da saúde para atender essas pessoas. Quando alguém passa mal, como já aconteceu, eu tenho que pedir para ligarem para o Samu”, afirma Jadinéia, que desde o dia 7 de abril trabalha ali incansavelmente, organizando e alojando quem chega à procura de abrigo.

Sem previsão de volta às aulas, a escola deixa seus cerca de 800 alunos em casa. Mas alguns deles também sofreram com as chuvas e estão abrigados lá mesmo, com suas famílias. Andréa Dias, costureira e mãe de dois alunos, perdeu parentes e tudo o que tinha na casa que desabou. Morava no Morro 340 desde que nasceu e nunca havia passado por uma situação semelhante. Quanto ao futuro, a incerteza de como começar. “Não temos parentes aqui em Niterói, minha mãe morreu soterrada com meus irmãos. Demoraram cinco dias para os corpos serem resgatados. Não sei mais o que fazer da minha vida, não sei para onde ir."

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Galeria:

Um aspecto da destruição no Morro da Boa Vista. A igreja de São Lourenço acolheu os desabrigados, que montaram um varal no quintal. A seguir, uma das vítimas, uma mulher que trabalhava varrendo a comunidade, e a menina ainda abalada com o que aconteceu.

Na Estrada da Cachoeira, o protesto dos desabrigados

Por Paula Paiva e Anabel Moutinho

Francisco mostra os estragos
causados pelo deslizamento
Eram quatro e meia da manhã do dia 6 de abril quando o mundo começou a desabar na comunidade 398 da Estrada da Cachoeira, em Niterói.  Atordoadas com o inesperado, as pessoas desciam com a roupa do corpo, sem saber o que fazer. Até encontrarem um lugar para se abrigar, foram quase 16 horas debaixo de chuva.  A maior parte ficou na Avenida Rui Barbosa, entre dois morros onde os deslizamentos deixaram os moradores ilhados e com lama até os joelhos.

O primeiro desabamento deixou três mortos. Os próprios vizinhos cavaram a terra e retiraram os corpos.

Padre José Maria, da Igreja Imaculado Coração de Maria, foi quem, por iniciativa própria, abrigou parte da comunidade. Também foi ele que procurou a diretora da escola municipal Helena Antipoff, onde estão os demais desalojados. Segundo os moradores, a Prefeitura só compareceu para retirar a lama da avenida. Sentindo-se esquecidos – inclusive porque nem a escola nem a igreja constam da lista de abrigos publicada no site da Prefeitura –, eles organizaram um protesto, mas denunciaram que foram reprimidos pela polícia com gás de pimenta: todos, inclusive idosos e mulheres grávidas. Planejam outra mobilização, mas agora pedem a presença de jornalistas. “Não precisa nem sair na televisão, só de ter gente filmando a polícia já não vai atacar a gente”, diz Cláudio Eduardo dos Reis, um dos moradores da comunidade.

Francisco de Assis Abreu, 44 anos, morava há 18 na comunidade da Estrada da Cachoeira e disse que nunca tinha visto nada igual. Ele, mulher e filho de 12 anos ficaram só com a roupa do corpo, já que sua casa foi completamente destruída. “Você não sabe o que é pagar uma casa durante sete anos e ela cair em segundos”, desabafa. Francisco ficou em estado de choque e por um tempo não conseguiu ir ao locar onde morava. Da primeira vez que retornou, passou mal. Assim como outras pessoas do abrigo, ele diz que agora vive à base de remédios para hipertensão.

Solidariedade e conflito

Na escola Helena Antipoff, onde as aulas estão suspensas – inclusive porque a maioria dos alunos é de lá mesmo e agora a utiliza como abrigo –, misturam-se cenas de solidariedade e conflito. O clima é familiar, porque aquela é uma comunidade pequena, onde todos se conhecem. Os idosos se distraem jogando dominó, as crianças têm “aulas” de brincadeira para passar o tempo. Mas não existe privacidade, todos têm de obedecer a horários fixos para as refeições e para se recolher – o abrigo fecha às dez da noite e só reabre às seis da manhã. São três banheiros para 125 pessoas, o banho é de balde, as crianças escovam os dentes ao ar livre e cospem no ralo. Os animais de estimação dos moradores também foram recolhidos ali e nem todos são muito amigáveis. Ainda assim, Jéssica Cruz, de 19 anos e grávida de oito meses, consegue sorrir e dizer: “está tudo bem”.

Nem tanto. A mãe de Cláudio dos Reis, que sofreu um derrame, não aguentou a algazarra das crianças e, como outros moradores, resolveu retornar para sua casa, mesmo em área de risco. Mas a dificuldade de convívio não é o único motivo: é grande a preocupação com invasões e furtos. voltar é também uma forma de tentar preservar os bens que lhes restaram, evitar invasões e furtos. Afinal, as casas que resistiram foram abandonadas do jeito que estavam: luzes acesas, roupas no varal, portas abertas e eletrodomésticos dentro.


Galeria:

Francisco de Assis mostra os estragos e caminha sobre os escombros onde três pessoas morreram na Estrada da Cachoeira. A seguir, detalhe da acolhida na igreja do Sagrado Coração, e da escola Helena Antipoff, onde foram improvisadas aulas de brincadeira para entreter as crianças.

Fotos de Paula Paiva



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segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Apresentação

A catástrofe que se abateu sobre o Rio de Janeiro, Niterói, São Gonçalo e municípios vizinhos no início de abril expôs, com a força das tragédias, a urgência no enfrentamento dos problemas sociais que se agravam ao longo dos anos. Porém, passado o primeiro impacto com o número de mortos e desabrigados, as imagens dos deslizamentos nos morros e dos bairros alagados, a vida vai aos poucos retomando o seu ritmo. A tendência é esquecer.

Este blog tem o objetivo de manter na ordem do dia o que é inadiável: a necessidade de solução para quem perdeu o pouco que tinha, a definição de responsabilidades sobre o que ocorreu, a discussão sobre uma adequada política urbana e os interesses que a inviabilizam e, silenciosamente, alimentam a ordem injusta que produz novas tragédias.

“Depois da chuva” tem esse sentido primordial de cuidar do que resta – e do que resta fazer – após um grande abalo. Produzido por professores e estudantes do curso de Comunicação Social da UFF, reúne reportagens, artigos, crônicas, entrevistas, imagens e projetos de campanhas sobre as consequências do temporal que começou na noite de 5 de abril de 2010 e que marcou tão gravemente a vida de todos nós.

 É nosso ponto de partida para um projeto jornalístico permanente, dedicado à da “questão urbana”, que amplie o espaço para a discussão e apóie iniciativas voltadas à crítica do modelo vigente e à prevenção de futuras catástrofes.


domingo, 8 de agosto de 2010

Morro do Céu, três décadas de inferno

Mais de 50 casas desabaram e cerca de 70 famílias ficaram desabrigadas na comunidade do Morro do Céu, que se estende pelos bairros do Caramujo, Ititioca e Viçoso Jardim, em Niterói. A área é vizinha a um aterro de lixo, interditado provisoriamente pela Defesa Civil Municipal no dia 9 de abril, após dois deslizamentos e a queda de árvores em seus dois acessos. Durante a tarde seguinte, equipes da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, da Defesa Civil e do Corpo de Bombeiros realizaram uma vistoria no local.

Os moradores vizinhos tiveram suas casas interditadas, mas resistiam em deixar o local antes de terem certeza de que receberão indenizações e garantias de que seus bens estarão a salvo. Por outro lado, moradores da Rua Antônio Carlos Brandão não receberam laudo da Defesa Civil. Houve apenas a emissão de uma declaração mediante a apresentação de fotos da situação das casas.

A área onde se localiza o vazadouro do Morro do Céu foi planejada para ser um aterro sanitário, mas, desde meados dos anos 1980, caminhões passaram a despejar ali toneladas de lixo sem tratamento, e a região se transformou numa montanha de detritos visível a quilômetros de distância.

Baixe a linha do tempo do Morro do Céu

Cercada por imagens de santos, dona Conceição vive dias de incerteza

Emily Luizetto e Juliana Moraes

Dona Conceição protesta contra a situação no
Morro do Céu
(Foto: Emily Luizetto)
A casa é modesta, mas ampla: três quartos e um salão, repleto de imagens de santos. Foi construída aos poucos, num terreno de 300 metros quadrados, comprado em 1972, bem antes da instalação do aterro do Morro do Céu. Ali vive a aposentada Maria da Conceição, 68 anos, com o filho e seis netos. Ali é também a sede do Centro Espírita Aldeia das Sete Folhas, onde dona Conceição realiza cerimônias religiosas e coordena atividades sociais comunitárias, como festas para arrecadação de alimentos e outros donativos.

Desde o temporal, a casa está sob risco, rodeada por pelo menos cinco árvores que ameaçam desabar. Porém, quando dona Conceição procurou informações para tentar resolver o problema, descobriu que, se aceitasse o aluguel social, o imóvel seria demolido. “Eles me disseram que, se eu aceitar o cheque-moradia, eles vêm aqui, tiram minhas coisas e derrubam a minha casa. A Prefeitura nem olha se a minha casa está boa ou não”.

Por isso, resolveu não pedir o benefício. “Não quero que eles me tirem daqui, acho que eles deveriam reformar a encosta e a minha casa. Onde eu vou conseguir outra casa própria? Se eu aceitar a Defesa Civil vem aqui e destrói a minha casa. O aluguel social é só por um ano. E depois? O que eu vou fazer?”.

Na montagem, dona Conceição mostra o documento
que recebeu da Defesa Civil e o comprovante de compra do terreno, onde construiu sua casa
Ao mesmo tempo, a aposentada vive aos sobressaltos. “Tenho medo de ficar aqui. Bem perto da minha casa tem uma palmeira muito grande que está prestes a cair. A Defesa Civil ainda não me deu nenhuma resposta. Eu já chamei os Bombeiros várias vezes para cortar as árvores, mas eles dizem que só podem vir depois que as árvores caem”.

A Defesa Civil de Niterói argumentou que, devido a grande número de chamados, a demora no atendimento é comum, mas todas as localidades serão atendidas. Porém, no caso específico do Morro do Céu, ainda não há previsão de atendimento. O Corpo de Bombeiros de Niterói não se pronunciou sobre o caso.


Galeria:

No Morro do Céu, o poste desabado bloqueia a passagem. Muitas casas estão sob risco. Na sequência, dona Conceição caminha pelo acesso à sua casa, aponta aspectos da destruição e mostra a sua cozinha.

Fotos: Marcela Sorosini e Emily Luizetto




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Aterro interditado, fim do sustento

Marcela Sorosini e Renata Monteiro

(Foto: Marcela Sorosini)
Com a interdição provisória do aterro do Morro do Céu, parte da população local perdeu seu sustento. Dulcilene Alves, de 46 anos, sustentava seus quatro filhos com seu trabalho ali. A catadora teve sua casa atingida pelas chuvas e não pôde retirar seus pertences, pois o acesso está tomado por árvores caídas e pelos escombros das casas destruídas. “Estou desesperada, perdi tudo e não consigo buscar o que sobrou. Estou com medo de entrar na minha casa, parece que as paredes estão moles”, descreve Dulcilene.

A moradora reclama ainda que os políticos só aparecem no Morro do Céu em período eleitoral e fazem inúmeras promessas, mas é só. Segundo ela, um candidato chegou a prometer a pavimentação da Rua Antônio Carlos Brandão, nem que para isso fosse precisar “tirar do seu próprio bolso”, mas a obra não foi realizada.

As dificuldades no abrigo improvisado

Assim como Dulcilene, cerca de 70 pessoas, entre adultos e crianças, ficaram instaladas em uma creche da prefeitura, que apesar disso continuou com as suas atividades normalmente. As salas de aulas se transformaram em quartos, que por muitas vezes eram ocupados por três famílias ao mesmo tempo. Além do desconforto e da falta de espaço, essas pessoas ainda tinham que sair das salas às 7h e só podiam retornar após às 14h, quando terminam as atividades escolares.

Os desabrigados começaram a receber o aluguel social no dia 4 de maio, mas não adiantou muito. “Com esse dinheiro nem no morro a gente consegue alugar alguma coisa. Além disso, teremos que pagar luz, água e comprar coisas para a casa, pois perdemos tudo! É um absurdo o que estão nos pagando”, reclamou o morador Marcos dos Santos.

Os moradores contam que as doações nas semanas posteriores à tragédia diminuíram. Os alimentos não perecíveis eram suficientes, entretanto, faltavam material de limpeza, biscoitos e achocolatados. Os desabrigados lamentavam a ausência de temperos, frutas, legumes, verduras e carne.

Uma desgraça encobre a outra

Outra reclamação foi contra o descaso do poder público e da imprensa, que tinham todas as atenções voltadas para o Morro do Bumba. “Aqui nós também estamos sofrendo, aqui também morreu gente, mas a televisão só mostra o Bumba”, reclamou Juliana Pereira. Moradores relatam que helicópteros de grandes empresas de comunicação passavam direto por áreas afetadas sem filmarem o local, indo direto para o Bumba.

No dia 7 de maio, exatamente um mês após a tragédia, os desabrigados foram transferidos para o 3º Batalhão de Infantaria. Segundo eles, o 3º BI fica em uma região onde predomina uma facção criminosa rival à atuante no Morro do Céu. Além disso, os moradores ficam mais distantes de seus locais de trabalho. É o mesmo problema enfrentado pelas crianças, que não recebem bilhete para o transporte e vão sozinhas a pé para a escola.

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Um mês após a tragédia, continua o impasse entre moradores e governo

Carolina Custódio, Felipe Siqueira, Filipe Cabral e Júlia Bertolini

Montanha de lixo, Morro do Céu
(Foto: Carolina Custódio)
Com 36 anos vividos no Morro do Céu, um dos líderes da comunidade, Luciano Cruz Silva, denuncia que “o lixão veio crescendo, crescendo, crescendo e hoje o cara abre a porta da cozinha e dá de cara com a montanha de lixo”. Em desabafo, o técnico em enfermagem comparou a situação à do Morro do Bumba: “A situação que vocês acompanharam no Bumba do mau cheiro e do chorume, o próprio secretário de Segurança dizendo que aquilo causa um malefício enorme você respirar, as pessoas se sentindo mal, os cães farejadores... Nós aqui estamos em situação pior que os cães farejadores da polícia. Aqui nós convivemos com isso há 25 anos”.

De acordo com Luciano, há cerca de quatro anos os moradores organizaram um comitê para discutir com a prefeitura de Niterói a questão do tratamento do lixo na região. No período das chuvas, em abril, os moradores disseram ter se assustado com estrondos e deslizamentos de terra no lixão. No entanto, a Companhia de Limpeza de Niterói (Clin) alegou que não se tratava de explosões ocasionadas por gases tóxicos, como no Bumba, mas apenas uma erosão de material superficial.

Veja o vídeo da entrevista com Luciano: parte 1.

Quanto vale?


Apesar da interdição da unidade de depósito de lixo, e de visitas de autoridades civis e do Ministério Público, o impasse permanece. Os moradores garantem que o Ministério Público e a Defesa Civil teriam interditado aproximadamente 200 casas, tendo em vista a iminência de futuros deslizamentos e a intenção de construir um aterro sanitário no lugar. Porém, nem 20% das propriedades teriam sido indenizadas até o momento. Luciano afirma que a proposta do governo não corresponde ao valor real das casas e, além disso, seria exigida uma burocracia que os moradores não conseguem cumprir.

“Vocês sabem da burocracia e dos valores altíssimos para tirar uma escritura. Você tem que ter um engenheiro, advogado, arquiteto. E para eles fazerem a indenização aqui, eles estão querendo o RGI. Eu desempregado, com dois filhos. Como é que eu vou hoje custear um advogado, um engenheiro, certidão de ônus reais, certidão de não sei o quê, certidão de não sei que lá, para conseguir tirar um RGI para uma casa que vai virar lixo, que vai virar um aterro sanitário”, argumentou o morador, que lembra que a maioria das propriedades foi adquirida por contrato de compra e venda há mais de cinco décadas.

Embora o próprio governador Sérgio Cabral, em entrevista, tenha considerado a situação do Morro do Céu calamitosa, centenas de pessoas têm sido obrigadas a permanecer no local por falta de recursos, como é o caso de Vera Lúcia dos Santos, residente ali há mais de 30 anos.

Veja o vídeo da entrevista com Luciano: parte 2.

Vera Lúcia, moradora do Morro do Céu há 32 anos,
teve sua casa interditada
(Foto: Carolina Custódio)
Vera é uma das que ainda não conseguiram receber a indenização pela casa, embora já tenha a documentação em mãos. Além disso, a aposentada reclama que os R$ 400 recebidos através do aluguel social, fornecido pelo Governo do Estado, não são suficientes para cobrir as despesas mensais. A costureira lamenta o fato de, por enquanto, não conseguir nem mesmo receber parentes e amigos em casa.

"Há muito tempo a gente não sente um cheiro de um alimento bem feitinho, de uma comida. A gente limpa a casa e não sente um cheirinho de casa limpa. Vivemos uma vida impedidas de fazer muita coisa. Como no meu aniversário. Fizeram um churrasco para mim e eu tampei tudo e levei para a casa da minha irmã. Não havia condições, ou você comia com mosca ou não comia”, relatou Vera Lúcia.

Veja o vídeo da entrevista com Vera Lúcia


Galeria:



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quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Entrevista: Miguel Baldez

Miguel Baldez em frente a fotografias de Sebastião Salgado
“Essa aqui é um pouco da minha história”, diz Miguel Baldez, apontando para duas fotografias de Sebastião Salgado sobre a luta pela terra, expostas numa das paredes da sala de sua casa, em Lins de Vasconcelos, subúrbio do Rio. Foi assim, afável e acolhedor, que o ex-procurador do Estado e velho militante da causa da moradia recebeu a repórter para esta entrevista.

Baldez tem uma longa história nessa luta. Participa de movimentos populares desde o início da década de 60, com o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT). Manteve a militância durante a ditadura militar e, nos anos 80, participou da fundação do Núcleo de Terras da Procuradoria do Estado, oferecendo assessoria aos movimentos sociais empenhados nessa área, na cidade e no campo. Hoje, aos 80 anos, continua na ativa, apoiando associações de moradores de favelas no Rio de Janeiro, além de organizações populares ligadas ao Movimento dos Sem-Terra. Como professor de Direito, conquistou uma legião de jovens admiradores, e produziu uma série de artigos contra o que chama de “cerca jurídica da terra”, e que resultam neste convite contestador:

sábado, 31 de julho de 2010

Associação de moradores do Morro dos Prazeres luta contra a remoção

Texto e fotos: Rafaella Barros e Elson de Souza e Silva Jr.

Morro dos Prazeres, Rio de Janeiro
Quase dois meses após a tragédia das chuvas no Rio de Janeiro, que matou mais de 30 pessoas e destruiu dezenas de casas no Morro dos Prazeres, em Santa Teresa, os moradores ainda convivem com um incômodo cenário: imóveis destruídos, pessoas morando de favor na casa de amigos e parentes, esgoto a céu aberto e a interrupção do fornecimento de luz, água e telefone. Por isso, tudo indicaria que o reassentamento total da comunidade, defendido pela prefeitura, seria uma escolha unânime entre os moradores. Mas não é assim.

Najup aponta interesses econômicos por trás da defesa das remoções

Por Rafaella Barros

Os interesses econômicos e a especulação imobiliária, acelerada pela contagem regressiva para a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, estão na base da defesa das remoções de favelas, de acordo com os integrantes do Najup – Núcleo de Apoio Jurídico Popular, coordenado pelo ex-procurador Miguel Baldez. Reunido no dia 14 de junho, em sua sede, no Centro do Rio, o grupo debateu as melhores formas de continuar a agir em apoio às comunidades afetadas pelas chuvas do início de abril.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

A dificuldade de começar de novo


Por Luiza Barros, Luiza Baptista, Mariana Coutinho, Raiane Nogueira e Robson Sales

Fachada do 3º Batalhão de Infantaria
Em 25 de abril, o governo do Estado do Rio de Janeiro entregou 93 apartamentos para famílias desabrigadas pela tragédia das chuvas. Entretanto, mais de um mês depois da entrega das chaves, ainda há quem esteja sem casa. Cerca de 400 vítimas dos desabamentos em Niterói vivem provisoriamente no 3º Batalhão de Infantaria, no bairro de Venda da Cruz, São Gonçalo.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Chuva 2.0

Por Matheus Zanon
Redes Sociais do Orkut
Era 05 de abril de 2010. Segunda-feira. A chuva começou a cair por volta das 20h. Mais forte que o normal e com cara de que não ia parar tão cedo, a cidade do Rio de Janeiro começou a sentir o impacto das águas. Não demorou muito e as ruas estavam alagadas, o trânsito congestionado e as primeiras vítimas começaram a surgir: desabrigados, feridos e mortos.

As fortes chuvas aumentaram o tráfego, mas não o de carros. O congestionamento dominou as redes sociais, que serviram como fonte de informação aos cidadãos.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Solidariedade. Um dever de todos?

Por Ana Leticia Ribeiro, Isabela Calil, Júlia Sales, Nathan Kunigami e Tamíris Almeida


As águas de março que fecham o verão não são novidade, além de ficarem consagradas na voz de Tom Jobim, já causaram muitos deslizamentos de terra em todo estado do Rio de Janeiro. A falta de infra-estrutura dos centros urbanos para solucionar os danos causados pelas chuvas também não é recente. Exemplos de enchentes, alagamentos e desabrigados ocupam o noticiário desde o início do século XX, num período em que um dos grandes escritores brasileiros, Lima Barreto já apontava para a gravidade da situação no texto “As enchentes”, de 1915. Anos depois ocorreria a segunda maior inundação do Rio de Janeiro, em 1966, com 100 mortos e 20 mil desabrigados ao final de cinco dias de chuvas intensas.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Morro do Bumba, 35 anos

Por Luiz Edmundo de Castro


As fotos do lixão do morro do Bumba foram registradas nos anos de 1974 e 1975 como parte de uma reportagem (cerca de 300 fotos aproximadamente), para um audiovisual (projeção de fotos e trilha sonora sincronizadas) apresentado como trabalho final do Curso de Cinema da UFF, realizado por mim, fotografias, Carlos Aquino e Joubert de Assis, reportagens e os três editando e coordenando o trabalho final.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Pesquisadores da UFF apontam responsabilidade política na tragédia em Niterói


A negligência do poder público diante de estudos que mapearam as áreas de risco em Niterói e que poderiam ajudar a prevenir tragédias como a que ocorreu no início de abril é o ponto central das entrevistas com os professores Júlio Wasserman, do Instituto de Geociências, e Elson do Nascimento, da Escola de Engenharia. Wasserman explica também as diferenças entre lixões e aterros sanitários e fala sobre alternativas para o tratamento do lixo urbano. Elson cita os casos em que a desocupação é inadiável, ao mesmo tempo em que condena a política indiscriminada de remoção. E assina, com a professora Regina Bienenstein, do Nephu (Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos da UFF), documento em que reafirma o estudo entregue à prefeitura de Niterói em 2007, alertando sobre os locais de risco iminente.

domingo, 30 de maio de 2010

Antes da Chuva

Por Denise Tavares

Moradora nova procura lugar, em fevereiro de 2010, para se estabelecer com a família. Não conhece a cidade. Hum...adorou a ideia de morar na praia. Achou os preços um tanto, bom, não vem ao caso. Curiosa, ouve conversa dali e daqui. Traumatizada com as enchentes que enfrentou nas marginais em São Paulo – sim, ela vem de sampa – sonha com lugar sequinho, desses que a gente circula mesmo debaixo de um toró. Zum zum de cá, zum zum de lá: “Ah, a Roberto Silveira vira um mar... Nossa, a Presidente Backer, quando chove, ninguém passa...Aqui na Gavião, é só chover um pouco que é rodo na mão e reza na cabeça para não inundar a loja e a gente perder o serviço”, recolhem seus ouvidos, entre um sorriso e outro da gente simpática da cidade que sempre encerrava conversa com um “Seja bem-vinda. Você vai adorar aqui”.

Quando o mundo desaba

Detalhes da destruição no deslizamento do
Morro da Cachoeira 
De uma hora para outra ficaram sem casa, sem parentes, sem rumo. São mais de 8 mil pessoas desabrigadas, segundo a prefeitura de Niterói, fora as que viviam em comunidades ainda não visitadas pelas autoridades e que, por isso, não contam nem mesmo como estatística. Agora espalham-se por escolas, igrejas, creches, associações de moradores. Muitos retornam para suas casas, mesmo sabendo do risco: sem laudo da Defesa Civil, sem alternativa de moradia, eles voltam para tentar preservar o que lhes pertence.

Em alguns abrigos há uma tendência ao retraimento: as pessoas evitam falar, não querem ser fotografadas, não querem se expor. Em outros a situação é inversa: há uma ansiedade em denunciar as condições em que estão vivendo, um apelo à presença de jornalistas, inclusive como forma de evitar a violência da repressão em manifestações.

Prefeitura do Rio é acusada de descumprir a lei no caso das remoções

Por Rafaella Barros

A prefeitura do Rio de Janeiro vem agindo com base em decretos que contrariam a Lei Orgânica do município para retirar moradores das áreas afetadas pelas chuvas. Quem acusa é o professor e ex-procurador Miguel Baldez, conhecido por sua dedicação de pelo menos 30 anos à questão da terra e dos loteamentos irregulares no estado. Para exemplificar, citou o decreto nº 32.081, baixado por Eduardo Paes em 7 de abril, no dia seguinte à tragédia, e que autoriza a remoção forçada em caso de risco.

sexta-feira, 21 de maio de 2010


Por Carolina Andrade

Eu estava em casa, no computador, mas com a TV ligada. Não teríamos aula naquela semana porque o Iacs havia suspendido as atividades, por causa do desmoronamento no do barranco nos fundos do campus, que atingiu o prédio principal. Eram pouco mais de sete da noite. Estava passando RJTV 2ª Edição, era sobre o desabamento no Morro do Bumba, mas eu não estava assistindo. De repente ouvi um nome que me chamou a atenção: Kenneth. Deslizei minha cadeira para frente da televisão.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

O eterno recomeçar em busca de noites tranquilas

Priscila Motta (texto e fotos)

Maria Aparecida Sacramento dos Santos, 51 anos, lembra-se de quando, aos 9, veio de Volta Redonda com a família e foi morar no Morro do Céu, um lugar pobre que já sofria com os problemas causados pela proximidade do lixão hoje desativado: a destruição ambiental, a desvalorização do local, a violência crescente.

Foi neste cenário que Maria Aparecida cresceu, em uma pequena casa, no alto de uma longo e acidentado caminho de terra. A cada chuva, o medo de um deslizamento roubava noites de sono. Mas, sem recursos, a família não conseguia se mudar para um local mais seguro. Para Maria Aparecida, a vida melhorou quando ela se casou com Valdevino Leite dos Santos, também vindo de uma família muito humilde da região, mas que, com muito esforço, conseguiu comprar uma modesta residência no Morro do 340, no Fonseca.