quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Região Oceânica

Foto: Jorge Luiz Silva
Rua do Loteamento Maravista alagada depois de chuva. Drenagem e pavimentação de três ruas por mês ficam apenas no papel.
Sandra Maria Esteves, 58 anos, até hoje não consegue esquecer o dia 20 de julho de 2007. Moradora da Rua 23 da Avenida Central desde 2000, viu sua casa, como de costume, ser invadida pela água. Sua mãe, Annita, de 87 anos, estava de cama, com o pé quebrado. Com medo de sua mãe se afogar, por estar imobilizada e já ter sofrido um acidente vascular cerebral, Sandra teve que chamar o corpo de bombeiros. Eles só conseguiram retirar a senhora da casa com auxílio de um bote.

Essa é só uma das várias histórias de moradores da Região Oceânica que sofrem em toda a época de chuvas com o problema de alagamentos e transformação das ruas em lamaçais. Não raro é a entrada da água misturada ao esgoto na casa desses moradores. Ruas sem asfalto e drenagem junto ao assoreamento de rios da região são as principais causas do problema.

A drenagem e pavimentação de três ruas por mês na Região Oceânica e Pendotiba, promessa de campanha do prefeito de Niterói, Jorge Roberto Silveira, seria um das formas de melhorar essa situação. Como a promessa, até agora, não saiu do papel, acabou caindo em descrédito para os moradores.

Explicações

A subsecretária de Serviços Públicos e de Serviços Concedidos de Niterói, Celeste Vasconcellos, argumenta que há dificuldades para a pavimentação de três ruas por mês na região. Uma delas é o fato de as vias serem muito baixas, com declives que representam um problema de nível para a colocação do asfalto. Outro fator, segundo ela, é a falta de drenagem e de rede de esgoto nas ruas, o que justificaria o fato de apenas as primeiras quadras receberem pavimentação: Celeste afirma que não adianta pavimentar a rua para depois ter que abrir o asfalto para a colocação da tubulação de esgoto e drenagem; seria preciso fazer estas obras primeiro. Ela também argumenta que as chuvas de abril do ano passado promoveram um deslocamento de mão-de-obra e recursos para as situações emergenciais.

Outro problema apontado pelos moradores é a falta de critério para a escolha das ruas a serem pavimentadas. Celeste explica que as vias que já possuem encanamento e drenagem são as primeiras a receberem asfalto. Ela também afirma que existem casos em que os vereadores são os responsáveis pela pavimentação de ruas ainda sem drenagem: “Nesses casos o interesse político suplanta a organização técnica, o que dificulta a colocação de asfalto e drenagem. Conhecimento técnico é fundamental para todo o processo de pavimentação”, argumenta Celeste.

Só de jipe

Os moradores continuam esperando melhorias. Luciana Degani é motorista de transporte escolar na Região Oceânica há 17 anos e relata não ter visto muitos avanços além da pavimentação da Estrada do Engenho do Mato e de algumas ruas do Loteamento Soter. Ela destaca o alagamento ocorrido em 8 de abril de 2010, mesmo dia em que uma forte chuva provocou o desabamento do Morro do Bumba, em Niterói. A chuva inundou muitas vias da Região Oceânica, entre elas a Rua 12 do Loteamento Soter, que é asfaltada, e por onde Luciana teria que passar para deixar três crianças. Sua van teve de aguardar a água baixar. Depois de três horas, apelou para o jipe do marido. “Só assim conseguimos levar as crianças”, diz Luciana.

Moradora da região, a motorista aponta o lixo que se acumula nas ruas como um dos fatores que ampliam o problema do alagamento. Luciana, que morava na Rua do Canal, precisava pagar para remover o lixo que se acumulava no rio assoreado. Mesmo assim, o alagamento era frequente.

Ela afirma já ter presenciado a entrada de 60 cm de água na casa do cunhado, que acabou se mudando. “Meu cunhado resolveu sair da Rua 24 depois de perder quase todos os móveis. É um verdadeiro descaso com a população o estado dessas ruas”, critica Luciana.

Ela lembra ainda as dificuldades enfrentadas pelos deficientes físicos nessas ruas, principalmente em época de chuva. Conta que tem um sobrinho que utiliza cadeira de rodas e passa as férias em sua casa. “É muito difícil sair com ele nessas ruas esburacadas. Quando chove, então, as ruas ou alagam ou se transformam em lamaçais”.

Demora

Ely Menezes, representante da Associação de Moradores do Loteamento Maravista, também se mostra insatisfeita. Afirma ser urgente a pavimentação e drenagem das ruas. Reclama ainda das vias que constam como asfaltadas pela prefeitura, mas que, na realidade, continuam em situação precária, como as ruas 2, 72, 74, 75, 76 e 79. Segundo ela, a associação já reclamou várias vezes, mas os serviços ainda não foram realizados. “Demoram demais para tomar alguma providência. Lutamos muito para que construíssem uma ponte no rio João Mendes, o que só ocorreu seis anos depois do início das reclamações, porque a Globo veio fazer uma reportagem aqui”, observa Ely.

Segundo ela, o rio, que corta todo o Maravista, continua transbordando em época de chuva. A água alaga a maioria das ruas do loteamento – até as asfaltadas – e invade as casas. Por isso, Ely diz ser imprescindível não só a pavimentação, mas também a dragagem contínua do rio.

Rios assoreados

O vereador José Augusto Vicente afirma que os problemas das ruas não ocorrem somente pela falta de pavimentação. A ocupação das margens dos rios pela população causa o processo de assoreamento, que favorece o transbordamento em época de chuva. Segundo ele, já estão sendo tomadas medidas para reverter o processo, como a dragagem do rio João Mendes, depois da audiência pública sobre o problema. O vereador também cita como medida a drenagem das ruas antes da pavimentação.

A professora de Geografia Renata Galvão, doutoranda e especialista na área de assoreamento de rios, explica: “O assoreamento pode ser definido como o acúmulo de sedimentos e detritos no leito de rios, lagos e baías. É importante ressaltar que se trata de um processo natural, mas que pode ser potencializado com a ação humana de ocupação das margens dos rios”.

Ela argumenta que essa ocupação causa o desmatamento da mata ciliar em torno do rio e a consequente erosão das margens. Além disso, o acúmulo de lixo também vai se depositar no leito dos rios, diminuindo sua profundidade. A construção de moradias torna o rio retificado e pouco profundo, o que resulta no seu transbordamento. Com isso, a água do rio vai para as ruas de terra batida e de asfalto, impermeáveis, e se acumula, invadindo as casas.

Renata ressalta que, para evitar o assoreamento na região, deveria haver um controle maior da faixa de proteção da margem dos rios. Esse espaço varia segundo a largura do rio, mas em geral tem entre 10 e 20 metros de largura. “Existem leis que proíbem a construção na faixa marginal, mas muitas vezes elas não são respeitadas. Se houvesse maior fiscalização que garantisse a preservação da mata ciliar e a não ocupação da margem, o assoreamento não chegaria às proporções que se observam na Região Oceânica”.

Depois de assoreados, como já estão muitos rios da região, uma solução seria o emprego do modelo alemão. Tal modelo visa restabelecer o curso natural do rio, retirando os moradores das margens e fazendo curvas no local retificado. O problema, segundo Renata, é que esse processo é caro, o que acaba por inviabilizá-lo.

“A secretaria de urbanismo tem um projeto semelhante ao alemão para o rio João Mendes, no qual os moradores que vivem a 20 metros da margem e quiserem doar suas casas para a reconstrução do curso natural do rio teriam direito a um apartamento em um edifício de seis andares. Alguns moradores chegaram a sair e habitar um prédio que foi construído. Mas são muitas pessoas e o projeto não vai para frente devido ao alto custo.

Uma alternativa mais econômica é a dragagem, ou seja, a remoção dos sedimentos do leito feita em alguns rios da região de quatro em quatro ou de seis em seis meses, dependendo da época do ano, “mas esse processo, embora seja a única alternativa viável, altera a biodiversidade do rio”, alerta Renata.

Promessas

Indagado sobre o assoreamento dos rios, o vereador José Augusto Vicente afirma que o número de dragagens dos rios João Mendes e Jacaré aumentou depois de audiência pública. Ele afirma já ter enviado requerimento para pavimentação e drenagem das ruas 23 e 24 do Loteamento Soter, consideradas as piores em relação aos alagamentos.

Um levantamento feito pela subsecretária Celeste mostra que, no Cafubá, apenas 30% das ruas secundárias são pavimentadas. Em Itacoatiara, Itaipu e Maravista, esse número é de 50%; em Jacaré, 20%; Piratininga, 60%; Camboinhas, a que mais possui ruas pavimentadas, 80%; Santo Antônio e Soter, 35%, e em Muriqui, apenas 10%.

Celeste afirma que os prazos para pavimentação continuam a ser de três ruas por mês. Ela espera que o cronograma possa ser cumprido com mais agilidade, agora que as situações emergenciais das chuvas de abril do ano passado estão sendo reparadas.

Enquanto isso, Sandra Maria Esteves continua sonhando com a melhora da situação de sua rua. Ela sofre toda vez que chove, com medo da casa alagar e perder seus móveis. Para proteger-se, e principalmente para proteger a mãe, doente, do contato com a água misturada ao esgoto que penetra na casa durante as chuvas, Sandra construiu uma mureta em frente à entrada e uma calçada para elevar o nível da moradia. Agora, com muitos empréstimos para pagar, ela só diz querer uma mudança de atitude daqueles que só prometem: “Não precisamos de promessas, mas de atitudes para reverter essa situação”.

À esquerda, mureta construída na casa de Sandra para evitar a entrada de água. À direita, calçada que a moradora mandou fazer para aumentar o nível da casa. Para custear a obra Sandra, teve que pegar empréstimos.demora

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