quarta-feira, 13 de junho de 2012

Rio+20 e o descaso com a reciclagem





Por Luiza Gould de Souza
Ilustrações de Ildo Nascimento

De que adiantam campanhas ecológicas pela separação doméstica do lixo se não há estrutura para a coleta seletiva? Essa é a pergunta que está por trás dos baixos índices de reciclagem do estado do Rio. Enquanto o país se prepara para receber a Conferência das Nações Unidas para Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, a falta de estrutura para a reciclagem no estado sede do evento produz índices ecologicamente negativos. 

Da quantidade diária de 15 mil toneladas de lixo, apenas 8% são separados para a reciclagem e metade desse percentual ainda se perde ao longo do processo, de forma que somente 4% do lixo (600 toneladas) de fato são reaproveitados pelas indústrias recicladoras.

Os dados são de uma pesquisa realizada no ano passado por Cicero Pimenteira, da Coope/UFRJ, para sua tese de doutorado. Entre os motivos para esse resultado se destacam o reduzido número de caminhões, que não passam por todas as ruas e bairros, o baixo incentivo à reciclagem e as perdas que ocorrem no processo de seleção e de qualificação de matéria para a indústria.

Com o descarte incorreto do lixo os danos para o ambiente são inúmeros, como lembra a especialista em planejamento e educação ambiental pela UFF Tereza Cristina Bernardes. Os tóxicos provenientes do lixo podem atingir lençóis freáticos, o chorume provoca a morte de animais marinhos, materiais demoram anos para se decompor. Além disso, é preciso desmatar uma vasta área para a criação de aterros sanitários. Nesse sentido é que Tereza fala da importância da ação dos indivíduos a partir dos “três erres” da sustentabilidade: redução do consumo, reutilização dos materiais e reciclagem. 

Sem estrutura adequada, o discurso do “faça a sua parte” cai no vazio. É o que lembra o professor Emilio Eigenheer, do Departamento de Filosofia da UFF e fundador do primeiro programa de coleta seletiva do Brasil: 

“A coleta seletiva não é uma solução para a limpeza urbana, é um complemento. Então, se uma cidade não tem uma coleta adequada, um destino final, fica sem sentido a ação. É preciso também saber se há quantidade de material, e mercado para ele com proximidade em relação às empresas compradoras. Se nada disso estiver presente em um município resta à população pelo menos recolher matéria orgânica que possa ser compostada, o que também é importante”.

Ouça esse trecho da entrevista abaixo:





Não é por falta de vontade que Nathália Aizman, 19 anos, não separa seu lixo para a reciclagem. Moradora do Méier, Nathália atesta que não há ecopontos – pontos de coleta voluntária do lixo – no seu bairro, nem caminhões da Comlurb que recolham lixo reciclável, o que torna inviável qualquer ação por parte dos moradores: “Não separo o lixo porque não vejo incentivo e muito menos uma estrutura que permita o descarte correto. Não há programa de coleta seletiva aqui onde moro, o que significa que se eu separar, o lixeiro vai juntar tudo de novo”, afirma Nathália. 

Na realidade, como atesta a especialista Tereza Cristina, no caso da falta de uma estrutura com caminhões e pontos de coleta de materiais, as pessoas podem até separar o lixo em sacos plásticos e encaminhar para os aterros através dos caminhões, mas é preciso contar com a sorte de que o material não seja contaminado e de que nos aterros, catadores encontrem o material e encaminhem devidamente para uma indústria recicladora. 

A falta de uma melhor estrutura que possibilite a separação do lixo doméstico para a reciclagem é geral na cidade. Apenas 41 dos 160 bairros do Rio são atendidos pelo programa de coleta seletiva da Companhia de Limpeza Urbana (Comlurb), e mesmo assim nem todas as ruas estão incluídas. Dividindo a cidade por regiões, os números são ainda mais reveladores: o privilégio mais uma vez recai sobre a Zona Sul, onde 17 dos 19 bairros recebem semanalmente caminhões para a coleta dos recicláveis. Nas demais regiões, a precariedade é total: no Centro somente um dos dez bairros possui a coleta seletiva; na Zona Oeste, de bairros tão diferentes como Barra da Tijuca e Bangu, são 18 de 46; já a Zona Norte apresenta o pior índice: apenas seis dos 94 bairros contam com a coleta. (Saiba mais sobre os bairros e ruas atendidos no final da matéria).

Elinor Brito, coordenador do programa de coleta seletiva da Comlurb, explica que os dois principais motivos para o problema são o grande mercado informal de catadores, que faz com que muitas vezes os recicláveis não cheguem corretamente às indústrias, e a baixa e precária frota de veículos que transportam os materiais:

“Do percentual de 40% do lixo potencialmente reciclável na cidade do Rio, a Comlurb só consegue coletar 1%. O programa de coleta porta a porta hoje atinge de forma parcial e precariamente 41 bairros. É parcial porque não atende todos os bairros e precário por causa da frota de caminhões, que é antiga e insuficiente para cobrir todo o município”. Brito argumenta que a frota ainda não foi renovada por problemas de responsabilidade de governos anteriores. 

O coordenador ressalta, no entanto, que na tentativa de mudar essa situação a Comlurb entrou em parceria com o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) e lançou em 2010 o Programa de Ampliação de Coleta Seletiva. A partir de um investimento de R$ 50 milhões, o programa tem o objetivo de atingir a quantidade de 5% dos materiais potencialmente recicláveis até 2014, com o aumento da frota de caminhões de quatro para 16 veículos. Além dos caminhões, o programa visa construir seis centrais de triagem onde o lixo será separado por 1.500 catadores capacitados para posterior envio às indústrias que aproveitam os recicláveis. Entre as seis, a da Central do Brasil tem previsão de ser construída até o fim deste ano e a de Irajá, até julho de 2013. Esses espaços de triagem seriam criados, segundo Brito, para diminuir a perda de material gerada pelo trabalho informal, já que seriam eliminados os intermediários do processo.


A meta do projeto, porém, de coletar 5% de material reciclado até 2014 contrasta com índices observados em países europeus, como a Bélgica, que consegue reciclar 79,07% do seu lixo segundo dados divulgados pela União Européia em 2009. Brito argumenta que é difícil para o Rio alcançar índice como o desse país, pois a cidade possui um grande número de habitantes morando em favelas, onde não se realiza coleta seletiva porque, segundo ele, originalmente essas localidades não fazem parte do sistema convencional do sistema porta a porta e há falta de uma estrutura urbanística que facilite o acesso. A prioridade nas favelas, diz Brito, é “proporcionar primeiro a esses segmentos um sistema de limpeza pública eficaz”.




Na cidade de Niterói a média mensal de lixo doméstico é de 13.500 toneladas, sendo que desse total a Companhia de Limpeza de Niterói (Clin) coleta apenas 190 toneladas de lixo para a reciclagem, o que constitui aproximadamente 1,5% do total de resíduos. Questionada quanto ao baixo índice, a assessoria da Clin reconheceu o problema, mas afirmou que a empresa tenta aumentar esse percentual, criando postos de coleta itinerantes, distribuindo ecopontos por Niterói e oferecendo o serviço de coleta dos recicláveis porta a porta para todo morador que se cadastrar por telefone. (Saiba mais ao final da matéria). 

Mas como utilizar esse serviço sem saber que ele existe? Muitos moradores não sabem que caminhões específicos para reciclagem podem passar pelas suas casas. Seriam, portanto, necessárias campanhas que informassem a população. Quanto a essas campanhas a Clin apenas informou que em todos os ecopontos e no site da empresa há orientações para quem quiser se informar acerca da coleta de materiais recicláveis na cidade.




Além da atual falta de estrutura para a coleta do lixo, falta incentivo para reciclagem. Isis Vieira, moradora do município de São Gonçalo, ressalta esse problema: “Não há estímulo em fazer a separação do lixo para a reciclagem. Na verdade o cidadão nem sabe para onde vai o lixo e o que é feito dele depois.” 

As campanhas são importantes para alterar esse quadro e para tanto difundir a prática da reciclagem quanto orientar as pessoas acerca da separação correta do material. Como lembra Cicero Pimenteira, uma das razões para só metade dos recicláveis chegarem às indústrias recicladoras é a baixa qualidade dos reciclados, que chegam muitas vezes misturados com matéria orgânica. Essa baixa qualidade pode ser resultado do resto de leite ainda presente na caixa, das cascas de frutas misturadas ao papelão ou de restos de comida que entram em contato com os materiais, por exemplo. 

Elinor Brito argumenta que a Comlurb está sem realizar campanhas há dez anos porque fazê-las seria “realizar propaganda enganosa”, já que não havia alternativas para a coleta graças ao número reduzido de caminhões. Com o novo programa e com uma maior estrutura para a reciclagem na cidade do Rio pretende-se investir R$ 5 milhões em campanhas voltadas à população.




Aumentar o índice de reciclagem no estado exige um conjunto de medidas que vão desde educação ambiental através de campanhas organizadas pelas companhias de limpeza urbana até uma maior estrutura dessas mesmas companhias que permitam a coleta e envio do material até as indústrias recicladoras. Elinor Brito resume em três ações as iniciativas que devem ser tomadas pela população, pelo governo e pelas companhias de limpeza urbana para o aumento da reciclagem: 

“A capacidade de aumentar os recicláveis depende muito de três grandes fatores: o primeiro é a participação ativa da população em separar devidamente e dispor esse material. O segundo fator é a questão do quantitativo de veículos para corresponder a essa oferta de material pela população e o terceiro é a absorção disso pela indústria de reciclagem, pois não adianta produzir muito reciclável e não ter onde colocar.” 

Ouça esse trecho da entrevista abaixo:


Saiba Mais: 

Logradouros e bairros atendidos pelo programa de coleta porta a porta da Comlurb: 

Para mais informações sobre coleta seletiva da Comlurb acessar: 

Sobre postos de coleta voluntária: 

2 comentários:

Carlos Alberto disse...

Excelente Reportagem !

Ana disse...

Infelizmente o tema da coleta seletiva é algo ainda não desenvolvido nas cidades devido ao desencorajamento do governo com a ausência de medidas de conscientização da população sobre a necessidade da reciclagem e ao correto descarte de resíduos orgânicos.
Excelente matéria acerca do assunto, com dados precisos e que infelizmente mostram a precaridade com que as autoridades tratam o assunto em tempos de Rio+20. Parabéns!

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