terça-feira, 27 de novembro de 2012

Uma lição de sete vidas


Por Jéssica Alves

Paulo Roberto Affonso, um jovem de apenas 23 anos, perdeu a casa, a família e parte do seu trabalho no deslizamento do morro do Bumba, ocorrido em abril de 2010 em Niterói. Mas quem vê o sorriso no rosto e a simpatia na hora de atender os clientes da Pizzaria Piccolo, aos finais de semana em uma barraquinha no Campo de São Bento e os pedidos da pizzaria delivery, não imagina o sofrimento que o jovem já passou.

Além da cicatriz emocional causada pela perda da família na tragédia do Bumba, Paulo carrega a marca de uma cirurgia que fez para retirar um tumor que teve aos 19 anos. “Eu tive um tumor aos 19 anos. Fiquei internado por sete meses. Fiz quimioterapia, perdi cabelo e tudo. Mas hoje estou curado. Para ver como é a vida. Eu brinco que tenho sete, igual a gato. Três já foram”, conta. 

A outra vida que Paulo gastou foi em um acidente de carro enquanto estava voltando para casa, há cerca de um ano atrás, após a tragédia do Bumba. “O caminhão enguiçou, todo apagado, no meio da subida, e eu não consegui parar. Dei uma cacetada, mas estava de cinto. Minha esposa, grávida, estava no carro, mas não sofreu nada, só bateu a cabeça de leve. Acho que ainda não é minha hora mesmo. Tenho muita coisa para resolver ainda, muitas pizzas pela frente”.

Segundo o jovem, as pizzas entraram na vida da família após o pai, Paulo Sérgio Affonso, perder o emprego em 1996. Depois de assistir a uma receita em um programa de TV, o pai e a mãe de Paulo começaram a fazer mini pizzas e começaram a vender em uma barraca no Campo de São Bento, em Icaraí, nos finais de semana. O pai de Paulo batizou o empreendimento de Piccolo Italia. De acordo com o jovem, a ideia de ampliar o empreendimento e construir a pizzaria delivery no Bumba surgiu depois que ele foi presenteado com uma moto por ter passado no vestibular. No ano da tragédia, a pizzaria delivery havia completado 4 anos. 

Paulo Roberto por pouco não esteve entre as 267 vítimas da tragédia. A família de Paulo tinha a pizzaria e também morava no morro do Bumba. Na hora da tragédia, todos estavam na pizzaria, mas Paulo tinha saído para fazer uma entrega – o que não costumava fazer. Paulo Roberto lembra que havia pedido ao irmão para fazer a entrega, só que ele não quis e acabou perdendo a vida no deslizamento. “Foi Deus mesmo que botou esta entrega na minha frente. Ainda mandei meu irmão no meu lugar, e ele não quis ir. Não estava nem chovendo naquela hora. Ainda acho que a tragédia foi consequência da chuva do dia anterior”, lembra.

De acordo com o jovem pizzaiolo, no dia anterior ao deslizamento, o Corpo de Bombeiros havia passado pelo local, mas ninguém foi avisado que o morro corria risco de desabar. A família de Paulo morava no Bumba há 18 anos e apesar de saber que ali havia sido um lixão, não imaginavam o risco que corriam. “O corpo de bombeiros ainda esteve lá naquele dia, à tarde. Mas por que eles não avisaram do risco? Eles deveriam ter experiência. Disseram que a prefeitura nos avisou, o que é uma mentira! Não mandaram ninguém se retirar, como saiu no jornal”, afirma. 

Após voltar da entrega que havia feito, Paulo só encontrou lama e escombros. “Quando eu voltei, já não tinha mais nada. Eu saí com R$ 50, a moto e a roupa do corpo. Foi só o que restou. Perdi tudo, minha família e a pizzaria delivery”.


E com os cinquenta reais, o pizzaiolo foi para a casa da avó, que mora no bairro do Fonseca, fazer as pizzas e começar tudo de novo. Por sorte, a esposa de Paulo, Bruna de Araújo, que estava grávida do primeiro filho do casal, não estava no morro na hora do deslizamento, mas também perdeu o pai na tragédia. Com a ajuda dos amigos e da esposa e a avó, Paulo conseguiu reerguer a Piccolo e depois de um ano, foi morar com a esposa e o filho Pablo no apartamento cedido pela prefeitura, em Várzea das Moças. Mas a sua família ainda tem que lidar com as injustiças e descasos que envolvem a moradia e o aluguel social, que deveriam ser direitos de quem passa por essa situação, mas não é o que acontece. 

Segundo Paulo, além de não receber o aluguel social, já que nesses casos o indivíduo tem que optar pela moradia ou pelo aluguel, ele e muitos outros têm que pagar condomínio e IPTU. Além disso, a família ainda precisa lidar com a má fé de alguns moradores que recebem injustamente mais de um auxílio. “Alguns moradores se aproveitaram da desgraça e agora recebem um aluguel. Tem um casal que recebe cada um R$ 400, além do apartamento. Mas isso deve ser denunciado. O aluguel deveria ser só para quem não recebeu moradia.” E as reclamações não param por aí. “É um prédio de três blocos com quatro andares e oito apartamentos por andar. Com escada. Eu moro no segundo andar, ainda bem. Mas o pessoal não tem respeito: as paredes são pichadas, é tudo mal conservado”.

Para lidar com as conseqüências da tragédia, o jovem se apoia no sucesso que suas pizzas fazem, em Niterói. As pizzas já eram famosas no Campo de São Bento, mas segundo Paulo, as vendas triplicaram após a ida ao Programa Mais Você. O rapaz conta que uma amiga enviou uma carta para o programa contando a sua história, desde o dia que perdeu praticamente tudo no desastre até a surpreendente retomada ao trabalho. 

Paulo segue com os negócios da família e com a barraca da Piccolo Italia há 16 anos no Campo de São Bento e com a Piccolo Italia Delivery, agora no bairro do Cubango. E para ele, o segredo é a dedicação. O rapaz sabe os nomes, gostos e endereços de seus fiéis clientes. E o jovem pizzaiolo já conseguiu, com o retorno das vendas e com a ajuda dos amigos e clientes, comprar todo o equipamento necessário para a produção dos seis tipos de massa que faz com todo cuidado. “Na massa apenas eu toco. Ninguém se mete não!”, diverte-se.

Hoje, Paulo vive com a esposa Bruna de Araújo, o filho Pablo de dois anos e a pequena Sônia, de 1 ano. E com o nome do filho tatuado no braço, representando a sua família, Paulo segue batalhando todos os dias com a força que o passado lhe deu para viver feliz as quatro vidas que restam.


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