quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A dança em nome da solidariedade


Roberta Amazonas

O impacto com a tragédia das chuvas e a sensibilidade com o drama de vizinhos e conhecidos que perderam suas casas levou o pessoal do grupo Nikit Dancers a promover, nos dias 15 e 16 de maio, um workshop solidário de hip hop e danças urbanas na quadra do clube Canto do Rio, principal posto de recolhimento de doações.












Evandro Pereira Silva

Deslizamentos de terra provocados pela chuva torrencial que desabou no Rio de Janeiro entre os dias 5 e 7 de abril causaram a morte de duas pessoas no Vidigal, Ana Maria Freire e seu filho Dário, soterrados enquanto dormiam. A casa em que viviam foi erguida em área de risco, em plena encosta. O armador de construção Marinaldo, chefe da família, escapou porque estava na cozinha, único cômodo da casa a se manter de pé, no instante do desabamento, por volta de quatro da manhã do dia 6.

Uma mudança no meio do temporal

Juliana Sampaio de Souza

Daniele Ramiro de Araújo morava com seus pais em São Fernando desde que tinha um ano de idade. Ela cresceu rodeada por familiares e amigos nesse sub-bairro de Santa Cruz, na zona Oeste do Rio de Janeiro. O tempo passou e ela se tornou professora, se casou e teve um filho, sempre na mesma casa. A mesma casa até o começo de abril, quando um temporal mudou a vida dela, e a de muitas outras pessoas no estado.

Daniele morava na casa dos pais, a empregada Telmi e o carpinteiro Dejacir, com o marido André Luiz, que, assim como ela, tem 29 anos, e o filho do casal, Alan Felipe, de 2. O susto foi grande ao chegar em casa e ver a rua cheia e os vizinhos em polvorosa. Com ajuda, alguns móveis ainda puderam ser salvos, mas ninguém se machucou, e isso é o que realmente importa para eles.

Psicóloga se mobiliza para amparar sobreviventes

Luiza Leite Ferreira

A rotina da psicóloga e especialista em educação especial Regina Gloria Silva Jorge Mussi, 55 anos, recentemente licenciada para se aposentar da Rede Estadual de Educação, era tranquila. Mãe de três filhos, já adultos, dois ainda na universidade, e recentemente separada, moradora no bairro de Icaraí, em Niterói, com uma filha, caminhava no calçadão da praia, cuidava dos pais idosos, zelava pelo bem-estar dos filhos e, como toda avó coruja, paparicava a netinha de poucos meses de idade.

Mas, desde a catástrofe no Morro do Bumba, a vida de Regina mudou. Já acostumada com a ideia de relaxar e aproveitar a aposentadoria, viu-se retornando para sua atividade de origem, a psicologia, após longo tempo atuando como professora.

Pesquisadores reafirmam estudo que alertava para a urgência de prevenção em 2007

Por Mário Cajé

Os pesquisadores responsáveis pelo Plano Municipal de Redução de Risco reafirmaram, em nota divulgada no dia 19 de abril, a qualidade de seu trabalho, que mapeava as áreas de risco em Niterói e alertava para a necessidade de ações emergenciais em 2007, ano de conclusão do estudo. A nota foi uma resposta à entrevista coletiva do prefeito da cidade, Jorge Roberto Silveira, e do reitor da UFF, Roberto Salles, publicada em destaque pelo jornal O Globo em 15 de abril. De acordo com a reportagem, o reitor declarou que o estudo estaria incompleto, já que “os técnicos da prefeitura solicitaram alguns ajustes e o trabalho voltou para revisão”. A declaração causou mal-estar, pelo que significava como desqualificação do trabalho dos pesquisadores da própria instituição.

“Inicialmente, pensamos em também convocar a imprensa para dar a nossa versão dos fatos, mas optamos pela divulgação da nota”, disse o professor Élson do Nascimento, que coordenou a equipe de pesquisadores do PMRR e assina o documento com a professora Regina Bienenstein, coordenadora do Nephu (Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos da UFF). “Reafirmamos que fizemos o nosso trabalho e que estamos prontos para revisar, analisar, contribuir com o que for, mas o nosso objetivo principal é que o trabalho seja implementado”. O que a equipe defende é a necessidade de eventuais atualizações, sobretudo considerando-se que o referido estudo foi concluído em 2007.

Na nota, os coordenadores do projeto apresentam as áreas de ocupação, classificadas em quatro categorias, de acordo com o que preconiza o Ministério das Cidades: riscos baixo, médio, alto e muito alto. Pelo estudo, o Morro do Bumba estava entre as áreas de risco alto e o Morro do Céu, entre as de risco muito alto.

A pesquisa identificou e classificou 142 pontos de risco, apresentando propostas de solução, com seus respectivos custos operacionais. O documento foi entregue à prefeitura de Niterói no início de 2007, que respondeu com um ofício encaminhado à UFF, com alguns comentários, solicitando que a própria prefeitura concluísse o estudo. “Mesmo diante da inusitada e unilateral decisão da prefeitura de Niterói, a equipe técnica da UFF atendeu àqueles comentários considerados pertinentes e procurou dar resposta aos demais”, encaminhando minuta ao ofício no dia 10 de maio de 2007.

A equipe responsável pelo projeto tem se mostrado comedida na divulgação dos detalhes dos relatórios por entenderem que estes documentos pertencem à prefeitura e que competiria às autoridades municipais a iniciativa de sua destinação final.

No entanto, os professores que assinam a nota não deixaram de questionar a generalização da idéia de remoção insistentemente difundida pelas autoridades, como solução para prevenir novas tragédias: “A ‘remoção’ de famílias e casas em áreas de risco como alternativa predominante para o tratamento dos assentamentos populares tende a criar um falso problema, pois traz com ela a idéia de que ‘os pobres estão sempre no lugar errado’”. Eles defendem o tratamento diferenciado para cada caso, que pode significar a permanência das pessoas nas áreas já ocupadas, o reassentamento parcial ou o reassentamento total, para áreas próximas, e sempre com a participação da comunidade afetada.

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Entrevista com Elson: "O Morro do Céu é uma situação típica de remoção"

Por Mário Cajé e André Coelho

Em sua sala na Escola de Engenharia da UFF, o professor Elson do Nascimento mostra os documentos do PMRR (Plano Municipal de Redução de Riscos de Instabilidade de Encostas e de Inundação), que estiveram no centro da polêmica em torno da responsabilidade da prefeitura de Niterói sobre a tragédia no Morro do Bumba. O estudo, coordenado por ele, reuniu uma equipe de 16 pessoas, entre docentes e estudantes de graduação e pós-graduação, e foi entregue à prefeitura no início de 2007. Previa o investimento de R$ 19 milhões em obras para as áreas de risco em todo o município. Agora, diz o professor, os gastos com as consequências das chuvas, para Niterói e São Gonçalo, são calculados em R$ 200 milhões. Pior: “quando se liberar algum recurso, o problema será outro: a dengue, a segurança pública, alguma outra prioridade”, e o problema das encostas passará novamente para segundo plano.

Nesta entrevista, Elson fala das dificuldades enfrentadas pelos pesquisadores para verem as consequências práticas de seus estudos e alerta para a situação emergencial no Morro do Céu: “ali é uma área totalmente imprópria para habitação. Não há alternativa senão a retirada das pessoas”.

A partir do ocorrido no Morro do Bumba, o senhor sabe se a prefeitura de Niterói reavaliou sua posição sobre os estudos, procurando adotar as medidas propostas pela equipe técnica?

A história da humanidade mostra que as tragédias levam, naturalmente, à mudança de comportamento. As medidas que estão sendo tomadas agora são emergenciais e normais em eventos desse tipo: atendimento às vítimas, realocação, resolução dos casos de óbito. Os problemas climáticos devem ser tratados preventivamente, lembrando que estamos num clima tropical, caracterizado por chuvas intensas a partir de dezembro até março ou abril. Só daqui a alguns meses poderemos avaliar se houve de fato esta mudança de comportamento.

Existem estudos similares atualmente sendo desenvolvidos pela UFF?

Nós desenvolvemos e já concluímos o PMRR para a cidade de São Gonçalo, nos mesmos moldes do que foi desenvolvido para Niterói. Este plano faz parte de uma iniciativa do Ministério das Cidades e hoje, pelas informações que possuímos, 66 municípios dispõem do estudo. O objetivo é orientar a aplicação de verbas de forma preventiva, propondo, no caso das encostas, as drenagens e as obras de geotecnia para que, assim, as ações surtam efeito para o período seguinte de chuvas.

Desses 66 municípios, quais realizaram as propostas?

O Rio de Janeiro é um deles. O Rio já vem trabalhando nesta linha há bastante tempo, bem antes do plano, criando, inclusive, a Geo-Rio, uma empresa municipal dedicada exclusivamente à contenção de encostas. Existe também a Rio Águas, responsável pela parte de drenagem. Pela cidade do Rio é possível observar obras estruturais de engenharia bem significativas, preventivas. O deslizamento é, na verdade, um processo natural, já que a crosta terrestre vai sendo moldada ao longo dos milhões de anos, sobretudo pela ação dos ventos e das águas. O que não é natural é que haja residências nos locais impróprios. A intervenção humana, de maneira geral, acelera o processo de erosão, mas, com certeza, também pode retardá-lo, se esta intervenção ocorrer de forma adequada.

Como é o processo desde a elaboração até a aplicação dos estudos?

São dois momentos: primeiro a universidade faz o estudo, a pedido das prefeituras. A implementação é o segundo momento e depende exclusivamente da prefeitura. Pode haver, inclusive, o convite para que a universidade acompanhe e assessore a aplicação do plano. Isto é o máximo que a universidade pode fazer, uma vez que ela não é um órgão executivo. Assim, se formos convidados a colaborar na implantação do sistema, há por parte da universidade o interesse em participar, mas isso depende das administrações. 

Se as propostas sugeridas pelos pesquisadores não têm sido implementadas pela prefeitura de Niterói, qual teria sido a razão da solicitação dos estudos? O senhor considera que haja realmente a intenção de realizar os projetos?

É muito difícil dizer a razão para isso. O objetivo da universidade é realizar os estudos, seja para as prefeituras ou para o setor privado, quando este solicita pesquisas e consultoria para o planejamento das suas decisões. No entanto, a pesquisa pode servir apenas como uma eventual alternativa, não havendo obrigação em seguir as propostas do projeto. 

A prefeitura tinha algum estudo paralelo?

Não. Houve estudos anteriores, mas não tão detalhados. Este plano cobria todo o município. O Instituto de Geociências da UFF também fez um estudo em nível municipal, mas que abrangia especificamente a parte geológica e serviu de entrada para o PMRR. Não sei por que o plano não foi aplicado. As prefeituras possuem muitas demandas e existe uma lógica, de certa forma, perversa. As aplicações e as decisões governamentais atendem mais a classe média que a pobre. Enquanto as instituições privadas costumam aplicar as consultas feitas à universidade, na gestão pública a lógica é diferente. No caso específico deste plano, o orçamento previsto para todo o município de Niterói foi de R$ 19 milhões. Para o Morro do Bumba, foram previstos R$ 419 mil para obras de engenharia, estruturas de drenagem e geotécnicas. A metodologia previa obras de baixo custo. Pelas informações que temos, em 2009 foram aplicados R$ 50 mil em contenção de encostas para todo o município, o que, de fato, é muito pouco. Ainda em 2004, quando visitamos o Morro do Bumba, detectamos problemas de drenagem na estrada.

Qual seria, em Niterói, a área em que a desocupação seria mais urgente?

Numa avaliação geral, pelo menos 30% da população de Niterói, cerca de 150 mil pessoas, vivem em encostas. Dessas, há um número muito elevado morando em áreas de risco, e por isso não é possível, em curto prazo, promover uma desocupação. No PMRR estão previstas algumas realocações dos pontos que estão na linha do encaminhamento natural das águas. Destes locais as pessoas devem ser retiradas. A nossa proposta é que a realocação deve se dar apenas nos casos extremos, até mesmo pela viabilidade. O plano orienta a priorização das obras de drenagem e de contenção de encostas, mas principalmente as de drenagem. Mesmo os terrenos mais frágeis, se forem bem drenados, dificilmente sofrerão deslizamentos. Por outro lado, com o tempo, a erosão e a ação das águas, mesmo a estrutura geotécnica mais bem plantada pode se tornar perigosa. Por isso, não só os pobres são atingidos, mas também as mansões, casas de classe média e alta, construídas dentro de toda a técnica de engenharia. Se não forem observadas, as alterações do encaminhamento natural das águas podem, num processo lento, fazer com que a estrutura se torne uma área de risco. A grande questão é a falta de preocupação com a drenagem.

No PMRR, o Morro do Bumba está definido como área de risco, enquanto o Morro do Céu foi classificado como área de grande risco. Como o senhor avalia a situação atual do Morro do Céu?

O Morro do Céu é uma situação idêntica à do Bumba. A diferença fundamental é que o lixão do Morro do Céu ainda está ativo. A imprensa divulgou que, de imediato, já se decidiu pela retirada da população do morro. Aí já não é uma ação emergencial, mas sim uma atitude preventiva, porém resultante de um clamor popular. O Morro do Céu é uma situação típica de remoção. Não adianta drenar, replantar a vegetação, ali é uma área totalmente imprópria para habitação. Não há alternativa senão a retirada das pessoas.

Sabendo da tradição de nossa política de abandonar tudo o que gestões anteriores realizaram, ainda que em benefício da população, como o senhor encara a descontinuidade da aplicação dos projetos, decorrente de mudanças de administração e de orientações político-partidárias?

A classe política do Brasil, com raras e honrosas exceções, tem evoluído muito pouco em relação às suas atitudes. Infelizmente, as situações clássicas de gestão do voto prevalecem nas decisões administrativas. Eu diria que, em relação à sociedade como um todo, a política tem fracassado em termos de avanço da postura. O servidor público não deve fazer voto de pobreza, mas o que não é aceitável é deixar de tomar certas atitudes por serem eleitoralmente desfavoráveis. Tanto no Rio como em Niterói, depois da tragédia, o que tenho visto é uma mobilização intensa, com máquinas, homens, veículos, equipamentos. Vemos que eles têm os equipamentos, os recursos, mas não há esta mesma mobilização de forma preventiva. A Holanda, por exemplo, é um país que tem um problema típico de drenagem, precisando drenar dia e noite. Pelo menos 20% do país estão abaixo do nível do mar. Já é da cultura da sociedade holandesa que o governante que não cuidar da drenagem, não fizer a limpeza dos canais, não se reeleja. Quando chega o período anterior às chuvas, esta é a prioridade número um. Aqui, quando assumirmos este comportamento, faremos obras preventivas nos meses em que não chove, já que soluções emergenciais são limitadas, pois quando vêm as chuvas, novamente o problemas aparece. Numa reunião do governador com os prefeitos de Niterói e são Gonçalo, fez-se uma estimativa de mobilização de R$ 200 milhões para as encostas, enquanto o PMRR custaria R$ 19 milhões. O discurso da liberação dos recursos no momento da tragédia, que gera visibilidade na imprensa, vai, do ponto de vista prático, se diluir e quando se liberar algum recurso, o problema será outro: o trânsito, a dengue, a segurança pública, enfim, alguma outra prioridade que vai canalizar a atenção de todo o sistema de gestão. O problema passará novamente para segundo plano. Esta lógica tem que se repensada.

Tudo isso obviamente envolve uma mudança de consciência também por parte da população...

Claro. Neste ponto os profissionais da área de comunicação podem contribuir muito. A imprensa acompanhou de perto o processo de elaboração do plano e eu acreditei que daria certo. Infelizmente ainda não foi desta vez. O estudo está parado. 

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Entrevista com Julio Wasserman: " Estudos não geram votos"

Por Adriana Martins e Karla Vidal

Coordenador da Rede UFF de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, o professor Júlio Wasserman, do Departamento de Análise Geoambiental, acusa a prefeitura de Niterói de descaso na realização de pesquisas que possam orientar ações preventivas de tragédias como a que ocorreu no início de abril. Nesta entrevista, explica também os cuidados necessários para a instalação de aterros sanitários e indica formas alternativas para o tratamento do lixo urbano. Mas não se limita aos aspectos técnicos: ao falar sobre os critérios para a definição do local para um aterro, diz que o principal “é que ninguém quer um aterro sanitário no jardim de casa. Por isso, eles normalmente são instalados em áreas de baixa resistência social, onde a população é mais ignorante, menos organizada e tem menor poder de voz”.


A Prefeitura de Niterói foi procurada para responder às críticas do pesquisador, mas não quis se manifestar.

O senhor realizou estudos sobre áreas de risco em Niterói?

Pessoalmente não fiz nenhum estudo deste tipo, pois a Prefeitura de Niterói tem sido muito refratária ao financiamento de pesquisas da UFF. Em 1995 tivemos um financiamento de R$ 20 mil da Prefeitura para estudarmos o impacto da construção de uma barreira no canal de Camboatá (Lagoa de Piratininga). Realizamos o estudo com grande sucesso, mas nos pagaram apenas 50% do valor contratado, através de convênio. Na UFF, o Prof. Elson do Nascimento, da Engenharia Civil, obteve algum recurso para fazer um estudo sobre drenagem, mas não pôde ir muito longe por descontinuidade. O Prof. Adalberto Silva, do Lagemar [Programa de Pós-Graduação em Geologia e Geofísica Marinha], também fez um estudo muito preliminar, analisando apenas a declividade das encostas. Veja que os estudos são muito significativos, mas a Prefeitura NUNCA esteve disposta a pagar estudos mais aprofundados. Os valores envolvidos giram em torno de R$ 50 a 100 mil, o que não dá para fazer um trabalho mais detalhado. 
Na verdade cabe à Prefeitura buscar os técnicos (e na UFF há muitos e extremamente competentes) e financiar as pesquisas, caras ou baratas. O que não pode é deixar a cidade neste estado. 
Uma coisa importante que vale sublinhar é que não nos cabe, como professores universitários ou servidores públicos fazer pesquisas gratuitas para prefeituras. Fazemos muitos estudos com recursos do CNPq, Finep, Faperj, entre outros, mas não é nossa missão paliar a irresponsabilidade de gestores públicos.

Os pesquisadores propõem estudos por iniciativa própria ou respondem a encomendas?

Já fizemos um número imenso de propostas às prefeituras de nossa região (Niterói, São Gonçalo, Maricá, Itaboraí, Rio de Janeiro, etc), contudo, nos alegam sistematicamente a falta de recursos. Na verdade o que existe é uma completa ausência de prioridade na realização de estudos. Os estudos não dão votos! E, além disto, mesmo quando fazemos estudos, eles esperam que resultem em obras que rendam votos. A coisa nem sempre funciona assim e, quando fazemos algum trabalho, acabamos provocando grande frustração. Imagine se uma pesquisa no morro do Bumba concluísse que as famílias precisariam ser retiradas dali. Isto não geraria voto (pelo contrário). Assim, em vez de estudos caros, a Prefeitura preferiu gerar infra-estrutura para aquela comunidade, resultando na catástrofe que acabamos de ver.

Mas a prefeitura não teria mesmo recursos para as pesquisas?

Não acredito que seja uma questão de custo, mas de prioridade. É impossível falar em custo elevado em uma prefeitura riquíssima como a de Niterói. Na verdade, tradicionalmente as autoridades que se sucedem em Niterói têm uma forte aversão à realização de estudos, principalmente concernentes ao meio ambiente. Basta verificar na Reitoria e na FEC (fundação da UFF) o montante de recursos repassados anualmente pela Prefeitura para execução de pesquisas. É muito provável que não ultrapasse a média de R$ 50 mil por ano, resultantes das ações de dois secretários que são professores da UFF aposentados!

Que impactos os aterros sanitários podem causar ao meio ambiente? Conhece alguma alternativa para os lixões? Como a cidade pode tratar seu lixo? 

Os impactos dos aterros sanitários podem ser minimizados de maneira significativa desde que sejam muito bem construídos e muito bem geridos, contando com sistema de tratamento de chorume (fase aquosa do lixo, sobretudo orgânico), programa de seleção e reciclagem do lixo, sistema de evacuação de gases com queimadores do metano, etc. Os aterros podem causar uma série de impactos, desde a emissão de gases de efeito estufa (metano e CO2), infiltração do chorume contaminado com metais pesados, poluentes orgânicos persistentes, matéria orgânica, hidrocarbonetos, etc., até impactos paisagísticos e sociais (comunidades de catadores). Um sistema alternativo para os lixões são justamente os aterros controlados, onde todos os possíveis impactos são controlados e monitorados (no lixão isto não acontece, pois é como um vazadouro de lixo, sem que nenhum procedimento de gestão seja realizado). Uma alternativa é a queima do lixo orgânico ou sua conversão por pirólise anaeróbica. Para estas duas tecnologias é necessário controlar a emissão de dioxinas, uma substância cancerígena emitida para a atmosfera que vai se depositar na vegetação e pode atingir o homem.
Atualmente um aterro sanitário ou aterro controlado pode ser uma área bastante segura e de baixo impacto ambiental, basta para isto a realização de grandes investimentos em tecnologia de preparação do solo, tratamento do chorume, etc. Eu particularmente defenderia a idéia de substituir os aterros sanitários por centros de tratamento de resíduos (comuns na Europa), onde existem sistemas de coleta seletiva, associados a empresas de reciclagem (ferro, alumínio, garrafas pet, papel, etc). Parte dos resíduos orgânicos pode ser dirigida a usinas de compostagem (a céu aberto ou anaeróbico), formando adubo orgânico (sistema aeróbico) ou biogás e outros combustíveis (sistema anaeróbico). O material inservível e não reciclável pode ser incinerado em fornos de plasma, que permitem a destruição das substâncias tóxicas que eventualmente são geradas na queima.

Qual a diferença exata entre lixão e aterro sanitário? 

Um aterro sanitário é uma área que foi estruturada para receber o lixo de uma cidade. Existem vários níveis e tipos de aterros sanitários, com diversos equipamentos para evitar impactos ambientais. O aterro do Morro do Céu, que atende à cidade de Niterói, é um aterro sanitário com nível de controle de impactos bastante baixo. Existem sistemas de evacuação de gases (o tal do metano), drenagem do chorume, existe uma separação muito simplificada dos lixos perigosos (hospitalares). Tem também um sistema de recobrimento (aterramento) do lixo por camadas, isto é, cada vez que as camadas de lixo atingem uma determinada espessura, elas são recobertas com um aterro composto por terra e entulho. Falta um sistema de tratamento do chorume (que é lançado nos rios da vizinhança), sistema de queima do metano (flares), separação mais cuidadosa dos lixos perigosos, com a construção de barreiras para evitar o acesso de catadores. Existe uma instalação para separação do lixo, mas está inativa e o lixo é catado no próprio vazadouro. 
Um lixão não tem nenhum tipo de organização e o lixo é simplesmente lançado no solo diretamente. Pelo que ouvi falar, era o caso do Morro do Bumba, mas não conheço nenhum registro histórico confiável.

Qual o critério de escolha do lugar para um aterro sanitário?

Existem vários critérios técnicos, como geologia do terreno, drenagem, tipo de solo, etc. Contudo, o principal critério é que ninguém quer um aterro sanitário no jardim de casa. Por isso, eles normalmente são instalados em áreas de baixa resistência social. Normalmente comunidades pobres, de baixa escolaridade e baixo nível de conscientização. A Barra da Tijuca, por exemplo tem lugares excelentes, do ponto de vista técnico, para instalação de aterros sanitários, contudo a resistência dos moradores impede sequer que consideremos tal hipótese.

Mas seria melhor construir um aterro sanitário na Barra do que em Gramacho (Duque de Caxias), Itaoca (São Gonçalo) e Morro do Céu (Niterói)?

Como disse, embora exista espaço, provavelmente será muito difícil construir um aterro sanitário na Barra, pois a pressão das empreiteiras e da população seria muito forte. A tendência seria a construção do novo aterro do Rio de Janeiro na Zona Oeste (Campo Grande, Santa Cruz e cercanias). São as áreas que chamamos de baixa resistência social, onde a população é mais ignorante, menos organizada e tem menor poder de voz. 

Seria possível permitir construções residenciais em cima de um antigo aterro sanitário? Sob quais condições? E em quanto tempo? 

Atualmente temos tecnologia para ir à lua, não vejo porque não seríamos capazes de construir por sobre lixões e aterros sanitários. Isto acontece em vários locais do mundo, contudo, a preparação para a construção é bastante complexa e na maioria das vezes é melhor fazer replantio de vegetação original. Conheço exemplos de construção de campos de golfe, áreas de lazer, entre outras. No caso do Morro do Bumba, nada foi feito. Trata-se de área de invasão, com acordo tácito do poder público que inclusive instalou infra-estrutura de arruamento. É interessante notar que a rua que desmoronou tinha nome, o que deve ter sido aprovado pela Câmara de Vereadores, mostrando o comprometimento de toda a sociedade política. 



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