quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Uma mudança no meio do temporal

Juliana Sampaio de Souza

Daniele Ramiro de Araújo morava com seus pais em São Fernando desde que tinha um ano de idade. Ela cresceu rodeada por familiares e amigos nesse sub-bairro de Santa Cruz, na zona Oeste do Rio de Janeiro. O tempo passou e ela se tornou professora, se casou e teve um filho, sempre na mesma casa. A mesma casa até o começo de abril, quando um temporal mudou a vida dela, e a de muitas outras pessoas no estado.

Daniele morava na casa dos pais, a empregada Telmi e o carpinteiro Dejacir, com o marido André Luiz, que, assim como ela, tem 29 anos, e o filho do casal, Alan Felipe, de 2. O susto foi grande ao chegar em casa e ver a rua cheia e os vizinhos em polvorosa. Com ajuda, alguns móveis ainda puderam ser salvos, mas ninguém se machucou, e isso é o que realmente importa para eles.

A alternativa 

Desde 2008, quando uma siderúrgica alemã começou as obras para se instalar perto do Rio São Fernando, que dá nome à região onde vivem, o rio teve o seu curso alterado. A cada chuva o bairro alaga. No Ano Novo, houve uma grande enchente e foi essa chuva que fez Daniele querer se mudar de lá. Mesmo muito triste com a situação, por ter morado em São Fernando praticamente a sua vida toda e ter vários parentes por perto, ela comprou uma casa num bairro próximo e a estava reformando. Essa foi a sua sorte. Quando vieram as chuvas de abril, ela tinha para onde ir com sua família e ainda pôde abrigar alguns parentes que tiveram as casas alagadas.

Em poucas horas a água chegou à cintura dos moradores, muitos que chegaram mais tarde do trabalho por culpa do trânsito, que ficou caótico no dia, perderam tudo. Daniele, por trabalhar em uma escola municipal perto do lugar onde morava e pela agilidade de um primo que enfrentou as águas com um caminhão, conseguiu salvar muitos móveis. Todos os que estavam no seu quarto se perderam. Os que estavam presos à parede no alto continuam na casa, assim como seu cachorro. “Por ser um pitbull, precisa de um canil, coisa que a casa nova ainda não tem”, explica, “meu pai vai lá dar comida para ele todos os dias”.

A mudança repentina 
A casa nova fica no conjunto Liberdade. “Não é muito longe de São Fernando, mas é seguro em relação às chuvas”, conta Daniele. Embora sua casa antiga não tenha sido interditada, ela e a família não quiseram se arriscar. O ruim foi ter tido que fazer a mudança às pressas, com a casa ainda em obras.

A casa nova ainda não tem telefone fixo, e o conjunto Liberdade ainda não é atendido pela Velox. A primeira noite foi complicada. A cozinha ainda não estava com a pia instalada, o que obrigou a família a usar o tanque na área de serviço para lavar as louças. “Apesar de todas as dificuldades e prejuízos, o mais importante é que estamos todos a salvo”, consola-se. “Agora, precisamos criar boas lembranças na casa nova e pensar nas que tiveram na antiga, e assim passar uma borracha na forma triste e tensa que nos fez deixá-la”.


  Nota:  

No dia 22 de maio, uma matéria no caderno Zona Oeste do Globo mostrou que o Rio São Fernando teve o seu curso desviado em 90º, em função das obras de instalação da ThyssenKrupp CSA em Santa Cruz. O rio antes desaguava na Baia de Sepetiba; agora segue para o Rio Guandu. De acordo com a matéria, essa alteração seria a explicação para as constantes enchentes no bairro. A siderúrgica está sob investigação do Ministério Público Estadual.

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