quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Entrevista com Julio Wasserman: " Estudos não geram votos"

Por Adriana Martins e Karla Vidal

Coordenador da Rede UFF de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, o professor Júlio Wasserman, do Departamento de Análise Geoambiental, acusa a prefeitura de Niterói de descaso na realização de pesquisas que possam orientar ações preventivas de tragédias como a que ocorreu no início de abril. Nesta entrevista, explica também os cuidados necessários para a instalação de aterros sanitários e indica formas alternativas para o tratamento do lixo urbano. Mas não se limita aos aspectos técnicos: ao falar sobre os critérios para a definição do local para um aterro, diz que o principal “é que ninguém quer um aterro sanitário no jardim de casa. Por isso, eles normalmente são instalados em áreas de baixa resistência social, onde a população é mais ignorante, menos organizada e tem menor poder de voz”.


A Prefeitura de Niterói foi procurada para responder às críticas do pesquisador, mas não quis se manifestar.

O senhor realizou estudos sobre áreas de risco em Niterói?

Pessoalmente não fiz nenhum estudo deste tipo, pois a Prefeitura de Niterói tem sido muito refratária ao financiamento de pesquisas da UFF. Em 1995 tivemos um financiamento de R$ 20 mil da Prefeitura para estudarmos o impacto da construção de uma barreira no canal de Camboatá (Lagoa de Piratininga). Realizamos o estudo com grande sucesso, mas nos pagaram apenas 50% do valor contratado, através de convênio. Na UFF, o Prof. Elson do Nascimento, da Engenharia Civil, obteve algum recurso para fazer um estudo sobre drenagem, mas não pôde ir muito longe por descontinuidade. O Prof. Adalberto Silva, do Lagemar [Programa de Pós-Graduação em Geologia e Geofísica Marinha], também fez um estudo muito preliminar, analisando apenas a declividade das encostas. Veja que os estudos são muito significativos, mas a Prefeitura NUNCA esteve disposta a pagar estudos mais aprofundados. Os valores envolvidos giram em torno de R$ 50 a 100 mil, o que não dá para fazer um trabalho mais detalhado. 
Na verdade cabe à Prefeitura buscar os técnicos (e na UFF há muitos e extremamente competentes) e financiar as pesquisas, caras ou baratas. O que não pode é deixar a cidade neste estado. 
Uma coisa importante que vale sublinhar é que não nos cabe, como professores universitários ou servidores públicos fazer pesquisas gratuitas para prefeituras. Fazemos muitos estudos com recursos do CNPq, Finep, Faperj, entre outros, mas não é nossa missão paliar a irresponsabilidade de gestores públicos.

Os pesquisadores propõem estudos por iniciativa própria ou respondem a encomendas?

Já fizemos um número imenso de propostas às prefeituras de nossa região (Niterói, São Gonçalo, Maricá, Itaboraí, Rio de Janeiro, etc), contudo, nos alegam sistematicamente a falta de recursos. Na verdade o que existe é uma completa ausência de prioridade na realização de estudos. Os estudos não dão votos! E, além disto, mesmo quando fazemos estudos, eles esperam que resultem em obras que rendam votos. A coisa nem sempre funciona assim e, quando fazemos algum trabalho, acabamos provocando grande frustração. Imagine se uma pesquisa no morro do Bumba concluísse que as famílias precisariam ser retiradas dali. Isto não geraria voto (pelo contrário). Assim, em vez de estudos caros, a Prefeitura preferiu gerar infra-estrutura para aquela comunidade, resultando na catástrofe que acabamos de ver.

Mas a prefeitura não teria mesmo recursos para as pesquisas?

Não acredito que seja uma questão de custo, mas de prioridade. É impossível falar em custo elevado em uma prefeitura riquíssima como a de Niterói. Na verdade, tradicionalmente as autoridades que se sucedem em Niterói têm uma forte aversão à realização de estudos, principalmente concernentes ao meio ambiente. Basta verificar na Reitoria e na FEC (fundação da UFF) o montante de recursos repassados anualmente pela Prefeitura para execução de pesquisas. É muito provável que não ultrapasse a média de R$ 50 mil por ano, resultantes das ações de dois secretários que são professores da UFF aposentados!

Que impactos os aterros sanitários podem causar ao meio ambiente? Conhece alguma alternativa para os lixões? Como a cidade pode tratar seu lixo? 

Os impactos dos aterros sanitários podem ser minimizados de maneira significativa desde que sejam muito bem construídos e muito bem geridos, contando com sistema de tratamento de chorume (fase aquosa do lixo, sobretudo orgânico), programa de seleção e reciclagem do lixo, sistema de evacuação de gases com queimadores do metano, etc. Os aterros podem causar uma série de impactos, desde a emissão de gases de efeito estufa (metano e CO2), infiltração do chorume contaminado com metais pesados, poluentes orgânicos persistentes, matéria orgânica, hidrocarbonetos, etc., até impactos paisagísticos e sociais (comunidades de catadores). Um sistema alternativo para os lixões são justamente os aterros controlados, onde todos os possíveis impactos são controlados e monitorados (no lixão isto não acontece, pois é como um vazadouro de lixo, sem que nenhum procedimento de gestão seja realizado). Uma alternativa é a queima do lixo orgânico ou sua conversão por pirólise anaeróbica. Para estas duas tecnologias é necessário controlar a emissão de dioxinas, uma substância cancerígena emitida para a atmosfera que vai se depositar na vegetação e pode atingir o homem.
Atualmente um aterro sanitário ou aterro controlado pode ser uma área bastante segura e de baixo impacto ambiental, basta para isto a realização de grandes investimentos em tecnologia de preparação do solo, tratamento do chorume, etc. Eu particularmente defenderia a idéia de substituir os aterros sanitários por centros de tratamento de resíduos (comuns na Europa), onde existem sistemas de coleta seletiva, associados a empresas de reciclagem (ferro, alumínio, garrafas pet, papel, etc). Parte dos resíduos orgânicos pode ser dirigida a usinas de compostagem (a céu aberto ou anaeróbico), formando adubo orgânico (sistema aeróbico) ou biogás e outros combustíveis (sistema anaeróbico). O material inservível e não reciclável pode ser incinerado em fornos de plasma, que permitem a destruição das substâncias tóxicas que eventualmente são geradas na queima.

Qual a diferença exata entre lixão e aterro sanitário? 

Um aterro sanitário é uma área que foi estruturada para receber o lixo de uma cidade. Existem vários níveis e tipos de aterros sanitários, com diversos equipamentos para evitar impactos ambientais. O aterro do Morro do Céu, que atende à cidade de Niterói, é um aterro sanitário com nível de controle de impactos bastante baixo. Existem sistemas de evacuação de gases (o tal do metano), drenagem do chorume, existe uma separação muito simplificada dos lixos perigosos (hospitalares). Tem também um sistema de recobrimento (aterramento) do lixo por camadas, isto é, cada vez que as camadas de lixo atingem uma determinada espessura, elas são recobertas com um aterro composto por terra e entulho. Falta um sistema de tratamento do chorume (que é lançado nos rios da vizinhança), sistema de queima do metano (flares), separação mais cuidadosa dos lixos perigosos, com a construção de barreiras para evitar o acesso de catadores. Existe uma instalação para separação do lixo, mas está inativa e o lixo é catado no próprio vazadouro. 
Um lixão não tem nenhum tipo de organização e o lixo é simplesmente lançado no solo diretamente. Pelo que ouvi falar, era o caso do Morro do Bumba, mas não conheço nenhum registro histórico confiável.

Qual o critério de escolha do lugar para um aterro sanitário?

Existem vários critérios técnicos, como geologia do terreno, drenagem, tipo de solo, etc. Contudo, o principal critério é que ninguém quer um aterro sanitário no jardim de casa. Por isso, eles normalmente são instalados em áreas de baixa resistência social. Normalmente comunidades pobres, de baixa escolaridade e baixo nível de conscientização. A Barra da Tijuca, por exemplo tem lugares excelentes, do ponto de vista técnico, para instalação de aterros sanitários, contudo a resistência dos moradores impede sequer que consideremos tal hipótese.

Mas seria melhor construir um aterro sanitário na Barra do que em Gramacho (Duque de Caxias), Itaoca (São Gonçalo) e Morro do Céu (Niterói)?

Como disse, embora exista espaço, provavelmente será muito difícil construir um aterro sanitário na Barra, pois a pressão das empreiteiras e da população seria muito forte. A tendência seria a construção do novo aterro do Rio de Janeiro na Zona Oeste (Campo Grande, Santa Cruz e cercanias). São as áreas que chamamos de baixa resistência social, onde a população é mais ignorante, menos organizada e tem menor poder de voz. 

Seria possível permitir construções residenciais em cima de um antigo aterro sanitário? Sob quais condições? E em quanto tempo? 

Atualmente temos tecnologia para ir à lua, não vejo porque não seríamos capazes de construir por sobre lixões e aterros sanitários. Isto acontece em vários locais do mundo, contudo, a preparação para a construção é bastante complexa e na maioria das vezes é melhor fazer replantio de vegetação original. Conheço exemplos de construção de campos de golfe, áreas de lazer, entre outras. No caso do Morro do Bumba, nada foi feito. Trata-se de área de invasão, com acordo tácito do poder público que inclusive instalou infra-estrutura de arruamento. É interessante notar que a rua que desmoronou tinha nome, o que deve ter sido aprovado pela Câmara de Vereadores, mostrando o comprometimento de toda a sociedade política. 



Voltar para a página principal

0 comentários:

Postar um comentário