quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Os meios não justificam os fins: a (in)segurança diante dos privilégios

Tatiana de Carvalho

Existe no consciente brasileiro o mito de que o país não é violento. Essa mitologia de não-violência do Brasil parte de dois procedimentos principais (CHAUI, 2010, p. 125). Um deles é a exclusão. A afirmação de que o povo brasileiro não é violento cria a ideia de que a violência no país é praticada por quem não faz parte dele, mesmo que tenha nascido ou sido criado no mesmo. Através da exclusão há a separação de um “nós” de um “eles”. A forma como a mídia aborda confrontos entre traficantes é um exemplo dessa separação. O discurso jornalístico produz uma individualização pelo tráfico. A imprensa transmite a ideia de que o fim do comércio ilegal de drogas está associado à morte ou à prisão de um ou outro indivíduo. Essa produção legitima a violência pelo Estado e justifica a morte pela polícia.

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Favela: uma análise crítica das remoções do século XX e da instalação de UPPs no século XXI





Por Bárbara Queiroz e Marry Ferreira


Rio de Janeiro, a cidade maravilhosa e que agora também é olímpica, moldada a cada evento para inglês ver. O mesmo Rio que, há um século, Pereira Passos tentou transformar na nova Paris através de uma reforma urbanística que destruiu cortiços do centro da cidade, separando famílias entre a periferia e o morro, dando origem às favelas. Desde então, historicamente, o Rio de janeiro cresce sob moldes ambíguos de governos que promovem pacificação por meio da violência, disseminando a ideia de que é preciso ocupar e pacificar para depois implantar políticas públicas, ou seja, primeiro entra a força e depois os serviços. O modelo mais recente dessa pacificação é a UPP - Unidade de Polícia Pacificadora - instalada nas favelas para segurança da população, na teoria, e, na prática, para atender aos interesses de uma cidade que recebe grandes eventos e precisa fortalecer sua segurança para turistas. Com isso, o que percebemos hoje é um retrato da "modernização conservadora" de uma cidade que sempre se forjou através da construção de diversas formas de relacionamentos sociais e cidadania baseada no capital econômico, no impedimento dos direitos sobre o corpo e da vontade soberana da grande maioria da população.
            Historicamente, governos tentam tirar os moradores da favela de sua “condição de favelado”. Nos anos 90, o projeto Favela-bairro tentou urbanizar essas regiões do Rio de Janeiro e, segundo o sociólogo Marcelo Burgos, a chave para entender o porquê dessa tentativa é analisar o pensamento da sociedade do asfalto: pensar a favela como um grupo que precisa e tenta ser cidade. Ou seja, o favelado é um "cidadão de segunda classe" que não é parte do “nós” da cidade, violento de tal modo que é preciso pacificá-lo para controlá-lo, a fim de que não ofereça mais risco para os cidadãos. O mito da cultura da violência dos favelados reafirma e consolida a barreira entre "eles" e "nós". O importante não é ter a favela “controlada” para quem vive lá, mas para a cidade ao seu redor.

sábado, 5 de dezembro de 2015

O salvador necessário: a imagem da polícia no jornal Meia Hora

Por Camilla Shaw e Patrick Rosa

A apresentação dos casos policiais pelo jornal Meia Hora aponta para uma narrativa dualista, que relata uma espécie de luta entre o “bem e o mal”, mostrando duas forças antagônicas que se enfrentam diariamente na cidade: a polícia e a “bandidagem”. No meio dessa trama, encontra-se o “cidadão de bem”, trabalhador que sofre com a violência e se vê impotente diante da criminalidade, tendo na figura policial um salvador, a única entidade capaz de erradicar o crime; mesmo que, para isso, seja preciso se utilizar de métodos escusos, desrespeitando direitos fundamentais dos moradores das regiões periféricas e das classes mais baixas.
Em nome dessa luta pela erradicação do mal, esquecem-se as possibilidades de outras denúncias, como outras formas de violência, e justificam-se as ações incursivas - e de extermínio - da força policial e a intervenção militar nas favelas; pois este é um “remédio amargo”, mas necessário para a construção de um futuro de paz. Comemoram-se as apreensões de suspeitos, pois elas representam a prevenção de crimes que provavelmente seriam cometidos por esses indivíduos, criminosos em potencial. Em matéria do dia 29 de outubro, o jornal celebra a captura de um acusado de comandar o crime em Santa Cruz. Com a manchete “Traficante ‘Ben 10’ vira bonequinho de cadeia”, a matéria lembra que o suspeito é apenas investigado pela polícia federal e não afirma se há provas ou fatores que justifiquem a prisão, mas comemora a captura afirmando em seu título a culpa do investigado ao chamá-lo de traficante (ver aqui).

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Questões sobre vida urbana no Rio de Janeiro: casos de bala perdida no morro do Chapadão

Por Raphaela Ayres

A notícia usada como ponto de partida para análise de algumas questões da vida urbana na cidade do Rio de Janeiro foi “Mulher morre atingida por bala perdida no Chapadão, no Rio”, publicada pelo G1 no dia 26 de outubro de 2015. Nela, é relatada a morte de Natália Alves de Freitas, 31 anos, após ter sido atingida por bala perdida no domingo (25). Um inquérito foi aberto para saber a origem da bala. No momento em que a jovem foi baleada havia uma operação da PM em andamento perto do Morro e não se sabe se o disparo que atingiu a jovem partiu de policiais ou traficantes.

A informação que encerra a notícia é “Em três meses, essa foi a terceira vítima de bala perdida que morreu na região do Chapadão”. No dia 14 de julho, Ana Cleide da Silva, de 41 anos, foi atingida nas costas, durante um confronto entre policiais e bandidos. Em 14 de outubro, Maique da Silva de Souza, de 22 anos, morreu atingido por uma bala perdida na comunidade Criança Esperança. Como apontam Vaz, Carvalho e Pombo ao comentarem sobre o eixo do excesso, dentro de uma gramática crítica de imagens e narrativas, a relação expressa na frase destacada pode gerar certa passividade por parte do leitor (VAZ; CARVALHO; POMBO, p. 2-3). Em princípio, a ideia seria a de convocar todos a se posicionarem afetivamente perante a situação dos que sofrem e, no caso da notícia, daqueles que são obrigados a conviverem cotidianamente com a violência. O efeito, contudo, pode ser o contrário porque o público pode achar que é natural esse tipo de acontecimento na área e caracterizá-lo como inevitável. A própria notícia justifica e reforça esse cenário, quando relata que a região tem a maior quantidade de armas em posse de bandidos na cidade do Rio de Janeiro. 

A região do Chapadão tem a maior quantidade de armas nas mãos de bandidos na cidade do Rio (Foto: Wikimapia)

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

O Estado penal e o sistema de encarceramento em massa

Por Victoria Macdonogh

Os Estados Unidos ocupam o primeiro lugar no ranking de encarceramento mundial. Seguindo a lógica neoliberal, o governo estadunidense reduziu os gastos com programas sociais e alterou as regras de contratação e demissão, flexibilizando o trabalho assalariado e gerando um sistema de insegurança social. A atrofia do Estado social alimenta a hipertrofia do Estado penal: os cortes nos programas sociais e a flexibilização dos empregos empurram milhões de pessoas para uma situação de pobreza em massa, e aumentam as desigualdades já existentes e latentes na sociedade americana, alimentando a segregação e a criminalidade.
A mudança do Estado social para o Estado penal também acompanha a mudança do conceito de norma para o de risco. A prisão, que antes tinha como função recuperar o desviante, passa a servir como contenção de riscos. Há um abandono do ideal de reabilitação, e o objetivo da prisão deixa de ser a prevenção do crime ou o tratamento dos presos de forma a reabilitá-los e reinseri-los em sociedade. A cadeia passa a servir como forma de “isolar grupos considerados perigosos e neutralizar seus membros mais disruptivos”. Assim, deixa-se de pensar em mecanismos de reabilitação, desprisionalização e justiça juvenil não encarceradora. Como explica Marta Rodriguez de Assis Machado, em um artigo publicado no Le Monde Diplomatique Brasil, citando um estudo de Jonathan Simon, professor de Berkeley:

“ Na nova ordem do Estado penal, impera a lógica do Estado mínimo, da proteção mínima contra riscos econômicos e sociais, da responsabilização individual. O direito penal é quele que, diante de um problema social complexo, que resulta da interação de muitos fatores - muitas vezes históricos ou sistêmicos -, produz sempre uma resposta baseada na responsabilidade individual”

Esta política de encarceramento em massa tem como principais vítimas os jovens pobres e em sua maioria negros que são usuários de drogas ou praticam pequenos furtos. Ao contrário do que é frequentemente noticiado na mídia, as prisões estão repletas não de criminosos violentos, mas sim de pequenos delinquentes e toxicômanos. A taxa de encarceramento por tráfico no Brasil cresceu 344,8% desde 2005. A política de guerra às drogas é uma das principais causas do crescimento da população carcerária, e sabe-se já há um tempo que é uma política que não dá resultados: não conseguiu diminuir o consumo, contribuiu para o aumento da violência e da circulação de armas ilegais, fortaleceu o crime organizado e resultou em um encarceramento em massa. O custo social é enorme; o Brasil ocupa o quarto lugar no ranking de países que mais encarceram no mundo, e o perfil da população selecionada pelo sistema prisional é bem específico - as maiores vítimas deste sistema são os jovens (cerca de 74% dos presos no país têm menos de 35 anos) pobres e negros (67%). Quase 70% dos presos não concluíram o ensino fundamental.

Gráfico mostra que o Brasil é o país com maior crescimento na taxa de encarceramento desde nos últimos anos (Gráfico: Conectas Direitos Humanos)

terça-feira, 19 de maio de 2015

Remoção: Um Ciclo de Tentativas de Exclusão Social


Por Gabriel Oliveira

Um fenômeno que não é novo nas áreas nobres do país e com grande interesse imobiliário, mas cujo debate não perde atualidade. As remoções de populações negras e pobres no Brasil, que tiveram seu primeiro momento de maior impacto no começo do século XX – durante o governo do prefeito Pereira Passos no Rio de Janeiro entre 1902 e 1906 – voltaram a ser uma realidade em diferentes espaços populares desde que a cidade foi escolhida como cidade-sede de jogos da Copa do Mundo e, especialmente, dos Jogos Olímpicos Rio 2016. 

Para debater o assunto junto a alunos do curso de Jornalismo da UFF, o diretor de teatro, cinema e TV e documentarista Luiz Antonio Pilar foi convidado a participar de uma aula, no último dia 13 de maio, da disciplina de Jornalismo e Vida Urbana no campus do Gragoatá, onde falou sobre a produção do filme Remoção, que traz uma série de depoimentos de moradores retirados das favelas e conjuntos habitacionais da Zona Sul do Rio de Janeiro nas décadas de 60 e 70. O trabalho é reconhecido como uma importante contribuição para o estudo e produção de memória deste período.