sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Nos Prazeres, UPP em vez de remoção

Por Elson Sousa e Silva Jr. e Sandra Amancio

No lugar da destruição causada pelo deslizamento de terra, um muro e uma faixa que diz “A geografia foi modificada, porém nada poderá mudar a história”. Esse é o cenário que os moradores do Morro dos Prazeres, em Santa Tereza, veem no local onde morreram 34 pessoas nas chuvas de abril do ano passado.

Até hoje, a comunidade sofre com um sistema de saneamento básico precário e o fechamento da única creche do local. Mas conseguiu permanecer no local: em vez da remoção anunciada pela prefeitura logo após a tragédia, com base num susposto laudo da Geo-Rio, que condenaria a área, o morro recebeu uma Unidade de Polícia Pacificadora em fevereiro deste ano.

“Este laudo da Geo-Rio não existe e nunca existiu”, contesta a presidente da Associação de Moradores, Eliza Rosa Brandão. “Ele teria sido emitido há mais de um ano e até hoje a comunidade ainda está de pé”. Eliza informa que aproximadamente duzentas famílias foram afetadas pelas chuvas. Entretanto, a maior parte teria se recusado a deixar a comunidade. Com a chegada da UPP, os moradores ganham um novo aliado na luta pela permanência.

A “pacificação” dos Morros dos Prazeres ainda não gerou grandes benefícios sociais para a comunidade. Ao contrário do Complexo do Alemão e do Santa Marta, também pacificados, a única obra realizada na comunidade foi a reforma total do campão, localizado na parte mais alta do Morro. O empreendimento foi feito em parceria com a MTV para a gravação do campeonato Rock Gol, um especial anual da emissora. Enquanto isso, o esgoto da comunidade continua correndo a céu aberto em valas com manutenção precária.

Sem reflorestamento

Eliza reclama que a Prefeitura do Rio fez obras de contenção apenas no local do deslizamento. Entretanto, até hoje a fase de reflorestamento da área não foi cumprida. “Ainda está tudo na promessa. Estamos aguardando um arquiteto contratado pela Prefeitura para fazer um levantamento de toda comunidade. Vamos mapear a rede de água potável, sistema de esgoto e águas fluviais para detectar todos os problemas do Prazeres e aguardar que o governo entre com as obras necessárias” disse. A queda de parte do muro da Creche Municipal José Marinho, a única da comunidade, fez com que o local fosse interditado por equipes da Geo-Rio até que uma nova estrutura fosse construída. Entretanto, moradores reclamam que até hoje nenhuma obra de reparo foi realizada no local, deixando cerca de 140 crianças sem atendimento. “A creche que arrumaram para atender a comunidade têm capacidade para apenas 85 crianças. As mães tiveram que procurar outro lugar para colocar os filhos e, aquelas que não conseguiram vaga, deixaram eles em casa.” afirmou Eliza. De acordo com a Associação de Moradores, a Prefeitura prometeu que a creche seria reaberta no segundo semestre desse ano. No site do governo municipal, consta um comunicado informando que a Geo-Rio realizaria o processo de licitação das obras de contenção da encosta próxima à creche no dia 6 de junho de 2011. Entretanto, não foi possível encontrar referências a respeito do resultado do processo.

Sem apartamentos e sem solução

Outra promessa do governador Sérgio Cabral e do prefeito Eduardo Paes foi a construção de um conjunto habitacional no lugar do antigo complexo penitenciário Frei Caneca, implodido em março de 2010. No local, seriam reassentadas as famílias desabrigadas e os moradores das comunidades condenadas pelo laudo da Geo-Rio. No entanto, até agora nenhum prédio foi construído.

Como alternativa à proposta do Frei Caneca, a Prefeitura do Rio teria oferecido aos moradores a inclusão no programa Morar Carioca. Entretanto, todos teriam recusado graças à distancia dos apartamentos oferecidos. Eliza diz que a vinda da UPP para o Morro dos Prazeres aumenta a esperança de uma maior aproximação entre a Associação de Moradores e o Governo do Estado. “Estamos lutando para que a gente consiga construir, dentro da própria comunidade, um condomínio habitacional para atender as famílias desabrigadas”.

A cabeleireira Wilanir Almeida, de 25 anos, morava em frente a um local atingido por uma queda de barreira. Sem ter para onde ir, Wilanir disse que teve que ficar na residência, pois não teria direito ao aluguel social, já que era inquilina do imóvel. “Quando procurei os agentes municipais, disseram que não teria direito ao benefício. Acho que, para calar nossa boca, eles [a Prefeitura] começaram a dar cestas básicas, lençóis e colchões.” disse.

Outro problema encontrado na comunidade é a falta de um sistema de alarme para avisar rapidamente a população em caso da iminência de temporais. Eliza disse que a Associação de Moradores recebeu um celular que emite avisos quando há previsão de chuvas fortes. A presidente repassa todas as mensagens para a população, mas a informação pode demorar a chegar a todos os moradores. Até agora, a Defesa Civil ainda não instalou recursos mais eficazes como sirenes, semelhantes as do Morro dos Macacos, e nem fez treinamentos da população para agir em situação de risco.

A tragédia passa, as marcas ficam

A comerciante Cátia Cristina Morais, de 47 anos, lembra muito bem dos momentos de desespero que passou na manhã de 6 de abril. Cisinha, como é conhecida, estava em casa dormindo quando, por volta das 8h15, aconteceu o deslizamento. “Acordei debaixo de uma laje. Estava com a perna presa, puxei tanto para me soltar que tenho problemas no joelho até hoje. Minha cachorrinha, que estava dormindo debaixo do meu braço, também sobreviveu.”, conta.

Cisinha foi ajudada por moradores da comunidade logo depois que saiu dos escombros. Segundo a comerciante, os bombeiros demoraram muito a chegar, obrigando a própria população a socorrer as vítimas. No entanto, nem todas tiveram a mesma sorte que Cisinha. No terreno onde morava havia seis casas, quinze familiares da comerciante morreram soterrados. Cisinha conta que, em dias normais, a maioria das vítimas não estaria em casa na hora em que ocorreu o deslizamento. Entretanto, todos permaneceram nas suas residências para atender ao pedido das autoridades. “Duas primas minhas saíram para trabalhar às 6h. Mas como não estavam circulando ônibus, elas voltaram para casa. Ambas morreram.”, conta.

Cisinha afirmou que nunca recebeu notificação constatando que a casa onde morava ficava em área de risco. A comerciante diz que nasceu e foi criada no local e que o risco só começou depois das obras do Favela-bairro. “A prefeitura jogou um monte de entulho no terreno acima da minha casa, depois foram os moradores. O prédio era construído em cima de uma pedra, o que veio abaixo foi a montanha de terra e sujeira que se acumulou.” disse. A comerciante também perdeu a pequena loja em que trabalhava. O prédio foi demolido pela prefeitura logo após a tragédia.

Atualmente, Cisinha divide uma casa com outra vítima do deslizamento. Gildânea perdeu duas filhas, uma de 21 anos e a outra de 14. A adolescente estava a 11 dias do aniversário e uma festa já estava sendo preparada para os 15 anos da vítima. As duas sobreviventes pagam, juntas, o aluguel de R$ 600 com o dinheiro que recebem do Aluguel Social, R$ 400 cada. No entanto, Cisinha reclama que o dinheiro chega atrasar até dez dias. Para complementar a renda, a comerciante trabalha em um carrinho de churrasco, doado por um grupo de artistas.

A luta pela permanência

A dona de casa Miriam Alves mora ao lado do local do deslizamento que matou 34 pessoas no Morro dos Prazeres. A casa continua interditada até hoje e foi marcada para ser demolida pela Prefeitura. No entanto, Miriam se recusa a deixar o local junto com sua família, pois diz que a casa não sofreu nenhum tipo de dano. “Já fomos até ameaçados de morte por pessoas da comunidade que trabalharam para a prefeitura na limpeza da encosta.”, revelou. Miriam afirma que só aceitaria deixar sua residência se a Prefeitura do Rio pagasse R$ 500 mil de indenização, valor muito superior aos R$ 140 mil oferecidos. “Eles só estão pagando pela casa e não pelo terreno. Esse prédio tem três andares e não sofreu nada. Onde vou comprar uma casa assim com o dinheiro que eles me ofereceram?”, questiona. A família sofreu tentativas de despejo pela Guarda Municipal e Polícia Militar. Entretanto permanecem no local graças a uma liminar, enquanto aguardam a avaliação de um perito. Moradora do local há seis anos, Miriam diz que ficou quatro meses sem água, luz e telefone. A dona de casa afirma que ligava para as operadoras, mas essas se recusavam a reestabelecer os serviços porque o local estava interditado pela prefeitura. O problema só foi resolvido depois que o marido de Miriam entrou com uma ação na justiça. Nesse período, a família chegou a morar na casa de amigos e em um imóvel alugado, mas tiveram que voltar para antiga residência por causa do risco de invasão.

O que dizem as autoridades

Por meio de nota enviada por sua assessoria de imprensa, a Fundação Geo-Rio informou que “investiu R$ 5,4 milhões em obras no Morro dos Prazeres. As encostas foram refeitas para torná-las mais estáveis e menos íngremes. Em seguida, foram iniciadas as obras de contenção (fibra de coco) e reflorestamento. Paralelamente aos serviços, foram demolidas 70 casas que estavam em situação de risco.” A Geo-Rio informou ainda que o trabalho de campo de mapeamento continua no Morro dos Prazeres, cujo local está sendo visitado e avaliado, para que novos projetos sejam elaborados visando à eliminação do risco. Através deste mapeamento foi identificado que não havia a necessidade de remoção de toda comunidade.

A Secretaria Municipal de Defesa Civil, também por meio de sua assessoria, informou que demolições e intervenções para contenções de encosta são de responsabilidade da Geo-Rio. A fundação também é responsável pelos estudos que indicam as regiões consideradas como áreas de risco. De acordo com a Defesa Civil, o Morro dos Prazeres é uma dessas regiões e faz parte do cronograma de instalação do Sistema de Alerta Comunitário que deverá instalar, até o fim do ano, 40 novas sirenes, totalizando 60 comunidades com os aparelhos.

A Secretaria Municipal de Habitação disse que a construção do Conjunto Habitacional no Frei Caneca é de responsabilidade do Governo do Estado. O governador Sérgio Cabral vai destinar o terreno para a construção dos apartamentos do projeto “Minha casa, Minha vida”, do Governo Federal. Além disso, a assessoria da Secretaria Municipal de Habitação informou que 124 famílias recebem o aluguel social no Morro dos Prazeres. Outras 77 fizeram o processo de aquisição assistida: as famílias escolheram imóveis com valor compatível com as residências demolidas e a Prefeitura se encarregou da compra.

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