segunda-feira, 28 de junho de 2010

A dificuldade de começar de novo


Por Luiza Barros, Luiza Baptista, Mariana Coutinho, Raiane Nogueira e Robson Sales

Fachada do 3º Batalhão de Infantaria
Em 25 de abril, o governo do Estado do Rio de Janeiro entregou 93 apartamentos para famílias desabrigadas pela tragédia das chuvas. Entretanto, mais de um mês depois da entrega das chaves, ainda há quem esteja sem casa. Cerca de 400 vítimas dos desabamentos em Niterói vivem provisoriamente no 3º Batalhão de Infantaria, no bairro de Venda da Cruz, São Gonçalo.

Embora a prefeitura de Niterói forneça alimentação e outros itens básicos, como colchonetes e roupas de cama, as famílias enfrentam não só a dificuldade natural de se adaptar ao espaço improvisado, mas de sair dele.

O aluguel social, no valor de R$ 400,00, provou-se mais do que insuficiente. A situação é ainda mais difícil para quem tem crianças: o batalhão fica distante dos colégios e os pais se queixam de não ter transporte escolar.

No Terceiro Batalhão, maior queixa é a comida 

Viver em uma área militar exige o cumprimento de certas regras, entre elas o horário. Os novos moradores do 3º Batalhão têm hora para entrar e sair. O toque de recolher é dado às 22h. Depois disso, não é mais permitida a entrada no batalhão, nem a permanência nos pátios internos – todos devem estar em seus quartos. Quem quiser ver amigos ou parentes também deve obedecer o horário de visita, de 9h às 11h, pela manhã, e de 15h às 17h, na parte da tarde. De acordo com uma moradora, que quis se identificar apenas como Andréia, a rigidez funciona também para o almoço, servido das 12h às 13h30. “Quem perde esse horário não come”, revela.

Mas essa é a menor das preocupações em relação à comida. Andréia e Patrícia da Silva afirmam que as refeições estão fazendo mal aos filhos. “Eles têm diarréia, vômito. Já serviram até salsicha verde”, denuncia Andréia. A amiga concorda: “as crianças nem querem entrar mais no refeitório. Temos que levar o tempo todo no Posto Médico”.

O atendimento médico, por sinal, é outra reclamação. As moradoras dizem que foi prometido um médico disponível 24 horas, mas, ao invés disso, apenas a enfermagem fica a noite inteira. Outra promessa não cumprida é lembrada pelo morador Paulo, que também quis dar apenas o primeiro nome. “Falaram que teríamos móveis, mas dormimos em colchonetes”, reclama.

Prefeitura não fornece transporte para crianças irem à escola

Os pais com crianças no 3° Batalhão de Infantaria sofrem ainda com mais um problema: levar os filhos para a escola. A maioria está matriculada em colégios distantes da região do batalhão, nos bairros onde moravam anteriormente. Para Patrícia da Silva, a solução foi pagar uma pessoa para levar e buscar o filho mais novo na creche. Já Andréia enfrenta uma situação mais grave: mãe de um deficiente mental, ela não consegue dar prosseguimento ao tratamento do filho, por causa da falta de transporte.

Muitos alunos abrigados no batalhão não possuíam RioCard, que concede a gratuidade de transporte, ou perderam o cartão durante a tragédia das chuvas. A prefeitura não providenciou nenhum ônibus escolar para essas crianças, mas, em comunicado oficial, disse que os moradores podem requerer um novo RioCard na Secretaria Municipal de Educação. O grande problema, porém, é que o responsável deve estar munido de uma declaração da Defesa Civil que comprove sua situação. Declaração esta, que, segundo Andréia, não foi emitida, pois até hoje a Defesa Civil não compareceu a sua casa em Santa Bárbara, Zona Norte de Niterói.

Diante dessa situação, os estudantes já perderam mais de um mês do período letivo. A Prefeitura de Niterói só tomou providências para reverter o problema nesta segunda-feira (31/05).

Em nota, a instituição informou que cerca de 70 crianças, entre 3 e 13 anos, começaram a ter aulas dentro do batalhão com professores da rede municipal. Segundo a prefeitura, ao saírem do abrigo, as crianças terão vaga garantida nas escolas municipais onde estão matriculadas.

Moradores acreditam que não conseguirão deixar o abrigo tão cedo

Apesar de todos os problemas, parte dos desabrigados pretende continuar no 3° Batalhão de Infantaria por um bom tempo. Isso porque o governo do estado prometeu construir casas em parte do terreno do BI, que será desocupada pelo Exército. 

A assessoria da Secretaria de Obras do Estado informou que a construção deve começar no próximo mês. A previsão de entrega dos 500 apartamentos é de no mínimo nove meses, quando a tragédia completa um ano.

A questão é que, segundo os desabrigados, quem continuar morando no batalhão terá prioridade na hora da entrega das casas. Assim, os chefes de família escolheriam entre permanecer no abrigo por tempo indeterminado, para garantirem a casa própria, ou receber o aluguel social e sair agora. “Tem que escolher o abrigo ou o dinheiro”, resume Paulo.

Ex-morador do Fonseca, Paulo diz que prefere ficar onde está, à espera da moradia prometida pelo governo do Estado. É o caso também de Andréia, que teme aceitar o aluguel e não ganhar uma casa depois. Já Patrícia pretende voltar para Santa Bárbara, seu antigo bairro, em Niterói. “É o meu sonho”, conta. No entanto, ela se queixa da dificuldade de conseguir um espaço bom para a família. Segundo Patrícia, os locadores aumentaram o preço dos aluguéis devido à grande procura por imóveis. “Depois dos desabamentos, todo mundo está pedindo R$ 600,00, R$ 700,00, quando antes era R$ 300,00, R$ 400,00”. Além disso, nem todos os lugares aceitam crianças. Mesmo assim, Patrícia junta o que já recebeu para conseguir pagar o depósito do aluguel, e, finalmente, começar de novo.

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