terça-feira, 10 de agosto de 2010

Morro Boa Vista, São Lourenço: “O medo maior é que ninguém mais olhe por nós”

Marcos Abreu e Maira Renou

Foram sete mortos no Morro Boa Vista, em São Lourenço, Niterói. Os próprios vizinhos retiraram os corpos, porque o número de bombeiros era insuficiente. Cerca de 70 casas foram atingidas e há muitas outras sob risco. Moradores relatam que a Defesa Civil ainda não chegou ao local e que só após cinco dias dos deslizamentos apareceram dois médicos, que trabalharam ali por dois dias e nunca mais retornaram. Falar da tragédia que deixou um rastro de dor e desespero no local é voltar na madrugada do dia 6 de abril e se lembrar de tudo o que foi perdido com a chuva. Alguns moradores preferem o silêncio, outros colocam seus filhos para darem depoimentos.

Quatro abrigos estão funcionando no local. Um deles é a Igreja São Lourenço dos Índios, que acolhe cerca de 200 pessoas. Os bancos da nave foram afastados para dar lugar a colchões e roupas espalhadas por um espaço que ficou pequeno para tanta gente. A área dos fundos da igreja se transformou no quintal de uma grande casa, com varais de roupas, crianças correndo e senhoras sentadas à espera de algum sinal. Até ir ao banheiro passou a ser uma tarefa difícil. Há apenas dois banheiros químicos do lado de fora, emprestados por uma empresa privada.
Na igreja, jovens se distraem jogando videogame

Em tom de determinação e olhar de tristeza, Andréia dos Santos Almeida, uma das coordenadoras do abrigo, moradora da comunidade e voluntária, relata:

“Todas as áreas do abrigo foram improvisadas e estão sendo mantidas pelos próprios desabrigados. No inicio tínhamos alguns problemas de convivência, mas isso está melhorando. A vida agora está retomando, muitos dos adultos já voltaram para o trabalho e as crianças para a escola. O problema é que quando uma situação não choca mais, que ela é normal, as coisas se acomodam. O medo maior é esse, que ninguém mais olhe para os desabrigados que ainda estão sofrendo demais, eles tem que dividir uma sala às vezes com mais de 10 pessoas e nem da mesma família são”.

O amparo ao idoso na creche 

Ferido na perna, Valdir recebe tratamento
na creche Nilo Neves
Em outro abrigo da comunidade, a creche municipal Nilo Neves, há aproximadamente 130 pessoas. Entre elas, 10 feridos que recebem cuidados de uma única enfermeira voluntária, e muitos idosos. Valdir Barros, um senhor de idade, por exemplo, mesmo com o telhado do seu barraco prestes a desabar, quis permanecer nele, sozinho, com um ferimento sério na perna direita. Foi encontrado vagando na rua e recolhido para a creche. A área onde costumava morar está interditada. É possível ver outras casas abandonadas, vazias. Famílias que deixaram para trás o pouco que tinham. E pior do que isto são as moradias que foram afetadas, parcialmente destruídas ou com risco iminente de desabar, ainda habitadas.

As atividades desta creche voltaram a funcionar parcialmente. Valéria Gomes, voluntária que está à frente deste abrigo contou que na parte da manhã as crianças e idosos vítimas dos desabamentos são assistidas pelos funcionários da creche, enquanto no período da tarde as aulas foram retomadas. Em escolas com um número maior de desabrigados, menor infra-estrutura e organização, não há nem mesmo a hipótese dessas atividades em “meio período”. É o caso do Colégio Estadual Conselheiro Josino, no bairro do Fonseca, que também funciona como abrigo e, em meados de abril, reunia cerca de 170 pessoas. A situação ali é muito mais delicada, como conta o coordenador, Daniel Soares:

“No dia da chuva, o colégio foi aberto pelos moradores. Com a ajuda de uns policiais conseguimos arrombar a porta e começar a acomodar as pessoas. Logo no início foi muito complicado controlar a situação, tinha muitas brigas, sujeira e tudo o mais. Foi preciso um trabalho para educar eles, o que ajudou muito foi a vinda de uma psicóloga, também voluntária, a cada dois dias. As aulas do colégio estão suspensas e sem previsão de volta, os desabrigados não tem nenhuma atividade aqui, se não trabalham ou estudam ficam aí pelo pátio e pelas salas. As salas de aula estão cheias, tivemos que ter cuidado também na hora de juntar as famílias para conviver”.

O medo de deixar tudo para trás

Uma das moradoras do abrigo, Luciana Silva, de 29 anos, relatou outras preocupações: “A minha casa foi interditada pelos bombeiros, já que a Defesa Civil não veio aqui ainda. Há oito anos a nossa casa já tinha sido condenada, mas, como nenhuma outra providência foi tomada, eu e minha família continuamos aqui. Até porque, quando interditam, os móveis das pessoas são levados para um depósito e ficam lá, estragando. Muita gente tem medo disso, que as poucas coisas que sobraram ainda sejam estragadas desse jeito”.

A Escola Municipal Paulo Freire, também no bairro do Fonseca, abriga 180 pessoas, todas do Morro São José 340. Segundo a diretora, Jadinéia Cesário, graças às doações, a escola está bem abastecida com roupas, mantimentos e produtos de higiene. No entanto, o que sobra de material falta em assistência pessoal. Não há psicólogos, médicos, copeiro para fazer as refeições ou porteiro para vigiar a escola. “Nosso maior problema é a falta de remédios e de funcionários da saúde para atender essas pessoas. Quando alguém passa mal, como já aconteceu, eu tenho que pedir para ligarem para o Samu”, afirma Jadinéia, que desde o dia 7 de abril trabalha ali incansavelmente, organizando e alojando quem chega à procura de abrigo.

Sem previsão de volta às aulas, a escola deixa seus cerca de 800 alunos em casa. Mas alguns deles também sofreram com as chuvas e estão abrigados lá mesmo, com suas famílias. Andréa Dias, costureira e mãe de dois alunos, perdeu parentes e tudo o que tinha na casa que desabou. Morava no Morro 340 desde que nasceu e nunca havia passado por uma situação semelhante. Quanto ao futuro, a incerteza de como começar. “Não temos parentes aqui em Niterói, minha mãe morreu soterrada com meus irmãos. Demoraram cinco dias para os corpos serem resgatados. Não sei mais o que fazer da minha vida, não sei para onde ir."

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Galeria:

Um aspecto da destruição no Morro da Boa Vista. A igreja de São Lourenço acolheu os desabrigados, que montaram um varal no quintal. A seguir, uma das vítimas, uma mulher que trabalhava varrendo a comunidade, e a menina ainda abalada com o que aconteceu.

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