terça-feira, 10 de agosto de 2010

Na Estrada da Cachoeira, o protesto dos desabrigados

Por Paula Paiva e Anabel Moutinho

Francisco mostra os estragos
causados pelo deslizamento
Eram quatro e meia da manhã do dia 6 de abril quando o mundo começou a desabar na comunidade 398 da Estrada da Cachoeira, em Niterói.  Atordoadas com o inesperado, as pessoas desciam com a roupa do corpo, sem saber o que fazer. Até encontrarem um lugar para se abrigar, foram quase 16 horas debaixo de chuva.  A maior parte ficou na Avenida Rui Barbosa, entre dois morros onde os deslizamentos deixaram os moradores ilhados e com lama até os joelhos.

O primeiro desabamento deixou três mortos. Os próprios vizinhos cavaram a terra e retiraram os corpos.

Padre José Maria, da Igreja Imaculado Coração de Maria, foi quem, por iniciativa própria, abrigou parte da comunidade. Também foi ele que procurou a diretora da escola municipal Helena Antipoff, onde estão os demais desalojados. Segundo os moradores, a Prefeitura só compareceu para retirar a lama da avenida. Sentindo-se esquecidos – inclusive porque nem a escola nem a igreja constam da lista de abrigos publicada no site da Prefeitura –, eles organizaram um protesto, mas denunciaram que foram reprimidos pela polícia com gás de pimenta: todos, inclusive idosos e mulheres grávidas. Planejam outra mobilização, mas agora pedem a presença de jornalistas. “Não precisa nem sair na televisão, só de ter gente filmando a polícia já não vai atacar a gente”, diz Cláudio Eduardo dos Reis, um dos moradores da comunidade.

Francisco de Assis Abreu, 44 anos, morava há 18 na comunidade da Estrada da Cachoeira e disse que nunca tinha visto nada igual. Ele, mulher e filho de 12 anos ficaram só com a roupa do corpo, já que sua casa foi completamente destruída. “Você não sabe o que é pagar uma casa durante sete anos e ela cair em segundos”, desabafa. Francisco ficou em estado de choque e por um tempo não conseguiu ir ao locar onde morava. Da primeira vez que retornou, passou mal. Assim como outras pessoas do abrigo, ele diz que agora vive à base de remédios para hipertensão.

Solidariedade e conflito

Na escola Helena Antipoff, onde as aulas estão suspensas – inclusive porque a maioria dos alunos é de lá mesmo e agora a utiliza como abrigo –, misturam-se cenas de solidariedade e conflito. O clima é familiar, porque aquela é uma comunidade pequena, onde todos se conhecem. Os idosos se distraem jogando dominó, as crianças têm “aulas” de brincadeira para passar o tempo. Mas não existe privacidade, todos têm de obedecer a horários fixos para as refeições e para se recolher – o abrigo fecha às dez da noite e só reabre às seis da manhã. São três banheiros para 125 pessoas, o banho é de balde, as crianças escovam os dentes ao ar livre e cospem no ralo. Os animais de estimação dos moradores também foram recolhidos ali e nem todos são muito amigáveis. Ainda assim, Jéssica Cruz, de 19 anos e grávida de oito meses, consegue sorrir e dizer: “está tudo bem”.

Nem tanto. A mãe de Cláudio dos Reis, que sofreu um derrame, não aguentou a algazarra das crianças e, como outros moradores, resolveu retornar para sua casa, mesmo em área de risco. Mas a dificuldade de convívio não é o único motivo: é grande a preocupação com invasões e furtos. voltar é também uma forma de tentar preservar os bens que lhes restaram, evitar invasões e furtos. Afinal, as casas que resistiram foram abandonadas do jeito que estavam: luzes acesas, roupas no varal, portas abertas e eletrodomésticos dentro.


Galeria:

Francisco de Assis mostra os estragos e caminha sobre os escombros onde três pessoas morreram na Estrada da Cachoeira. A seguir, detalhe da acolhida na igreja do Sagrado Coração, e da escola Helena Antipoff, onde foram improvisadas aulas de brincadeira para entreter as crianças.

Fotos de Paula Paiva



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