quarta-feira, 9 de junho de 2010

Solidariedade. Um dever de todos?

Por Ana Leticia Ribeiro, Isabela Calil, Júlia Sales, Nathan Kunigami e Tamíris Almeida


As águas de março que fecham o verão não são novidade, além de ficarem consagradas na voz de Tom Jobim, já causaram muitos deslizamentos de terra em todo estado do Rio de Janeiro. A falta de infra-estrutura dos centros urbanos para solucionar os danos causados pelas chuvas também não é recente. Exemplos de enchentes, alagamentos e desabrigados ocupam o noticiário desde o início do século XX, num período em que um dos grandes escritores brasileiros, Lima Barreto já apontava para a gravidade da situação no texto “As enchentes”, de 1915. Anos depois ocorreria a segunda maior inundação do Rio de Janeiro, em 1966, com 100 mortos e 20 mil desabrigados ao final de cinco dias de chuvas intensas.

Deslizamento no Morro do Bumba
(Foto: EFE)
Apesar de ser comum nesta época do ano, ninguém imaginaria a proporção da tragédia causada pelas chuvas dos dias 5, 6 e 7 de abril de 2010, confirmada como a pior da história do estado. Além dos alagamentos que atingiram grande parte da cidade do Rio de Janeiro, São Gonçalo e Niterói, somente nesta última, cerca de sete mil pessoas ficaram desabrigadas por causa da chuva, de acordo com o Ministério Público do Rio de Janeiro. Momentos difíceis como esse impulsionam iniciativas de voluntariado, que proliferaram na cidade. Ajuda que a Prefeitura de Niterói agradece: “O governo municipal teve o apoio de muitos moradores de Niterói, instituições públicas e privadas aos quais a prefeitura aproveita o espaço para ratificar o agradecimento a todos”.

De portas abertas

Com a tragédia, igrejas e escolas passaram a abrigar famílias que tiveram suas casas soterradas ou interditadas. Além de bombeiros, policiais e demais agentes da prefeitura que trabalhavam nesses abrigos, voluntários também ajudavam. A assistente social Magda Fonseca de 51 anos, é original de Cachoeiras de Macacu e mora em Niterói. Ela estava trabalhando como voluntária no Colégio Estadual Machado de Assis, quando conheceu Anderson e sua família.

Anderson Ferreira, 22 anos, estava em Niterói (RJ) há um mês quando a tragédia ocorreu e é um dos muitos atingidos pela chuva. Ele, a esposa Lucineide e o filho Anderson Júnior, moravam em Ubatuba (SP) e vieram para o Rio de Janeiro à procura de uma vida melhor. A família morava em uma casa cedida por amigos no Morro do Bumba que foi interditada. Resultado: tiveram que ir para o abrigo improvisado no Colégio Estadual Machado de Assis. “A nossa casa tá de pé, mas tá interditada. Não tem caminho por onde passar, não tem água e tá sem luz! Fomos para o (abrigo do Colégio Estadual) Machado de Assis. Mais uma batalha”, desabafa Anderson. Ele lembra ainda sobre o pedido do Aluguel Social, um auxílio mensal no valor de R$400,00 dado pela prefeitura aos desabrigados. “Minha mulher pediu há um mês, o nome já saiu no jornal (Diário Oficial) e não pagaram nada até agora. Achei uma injustiça”, recorda.

Magda e a família Ferreira
(Foto: Tamíris Almeida)
A assistente social e voluntária, Magda Fonseca, conta que sabia do desejo da família de voltar para Ubatuba e que, com a volta das atividades na escola, eles teriam de ir para outro abrigo, o 3º Batalhão de Infantaria do Exército. “Essa criança me encantou muito e eu vi que era um casal pelo qual eu podia fazer alguma coisa, então ofereci minha casa”, conta Magda. A família, que voltou para Ubatuba no dia 22 de maio, ficou duas semanas na casa da assistente.

As ações de voluntários são importantes, mas não substituem as ações do poder público. A prefeitura de Niterói  informa que o trabalho para ajudar os desabrigados está sendo feito em fases. Primeiro, coordenou-se a acomodação dos desabrigados em abrigos provisórios e, em seguida, a prefeitura pagaria o Aluguel Social às vítimas das chuvas.

Em nota, a prefeitura de Niterói declarou que o “Aluguel Social será pago inicialmente durante três meses e, caso necessário, prorrogado por mais dois períodos de três meses. Além disso, quem ainda não recebeu o Aluguel Social, a prefeitura está oferecendo a opção de duas unidades do Exército na região como abrigo provisório. O governo municipal está checando os últimos cadastros para divulgar a terceira lista de pagamento do benefício assim como data e forma de pagamento da segunda parcela em junho”. Somente em maio, 3.164 pagamentos foram efetuados.

Ao ser questionada sobre as ações da prefeitura para evitar tragédias parecidas no futuro, a assessoria afirmou que um mapeamento de todas as áreas de risco da cidade está sendo realizado para que essas localidades possam ser recuperadas. De acordo com a assessoria, os primeiros locais a receber essas melhorias são o Morro do Bumba e Morro do Céu.

Segundo o órgão municipal, o deslizamento no Morro do Bumba atingiu 50 casas. Foram aproximadamente 47 mortos, 51 feridos e 60 imóveis interditados. O morro, localizado em Viçoso Jardim, zona norte do município, foi uma das áreas mais afetadas pelas chuvas.

MP notifica a prefeitura por omissão na tragédia do Bumba

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro  vê indícios de omissão da prefeitura na tragédia do Morro do Bumba, por isso notificou o prefeito Jorge Roberto Silveira, e o presidente da Empresa Municipal de Moradia, Urbanização e Saneamento (Emusa), José Roberto Mocarzel, a prestarem esclarecimentos. A assessoria de imprensa do MP divulgou o seguinte comunicado no dia 31 de maio:

“O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro após uma análise preliminar de documentos e depoimentos, o MP concluiu haver indícios de omissão do Poder Público Municipal, que, mesmo após ter sido alertado, não teria tomado medidas preventivas para evitar a permanência de moradores nas áreas de risco.


O procedimento investigatório foi aberto pelo Subprocurador-Geral de Justiça de Atribuição Originária Institucional e Judicial, Antonio José Campos Moreira, a pedido do Procurador-Geral de Justiça, Cláudio Lopes, que, em 20 de abril, recebeu representações dos Deputados Estaduais Marcelo Freixo e Rodrigo Neves. Os Parlamentares pediram a apuração de responsabilidades criminais pelos fatos ocorridos em Niterói após as chuvas de sete de abril. Os acidentes causaram mais de 165 mortes no Município, sendo 47 na ocupação conhecida como “Morro do Bumba”, construída sobre um lixão desativado. Outras sete mil pessoas ficaram desabrigadas no município.


A petição do MPRJ cita o depoimento feito pelo ex-Secretário Municipal de Integração Comunitária, João Batista de Medeiros Júnior, à Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Niterói, em que afirma ter alertado Silveira e Mocarzel, por e-mails, entre janeiro e março de 2010, sobre os riscos de deslizamento no Morro da Caixa d’Água, nas Ruas Coelho e Otávio de Melo (Chapa Quente), no Morro do Arroz e na Estrada do Viçoso Jardim (Morro do Bumba). O MP menciona, ainda, que teve acesso a cópias dos e-mails, que foram lidos na Presidência da EMUSA.


O MPRJ cita também estudo técnico da UFF, Relatório Final da Comissão Especial de Políticas Públicas de Gerenciamento de Resíduos Sólidos do Município de Niterói, da Câmara Municipal, datado de setembro de 2003, e reportagens que teriam alertado para os riscos no Morro do Bumba.


Para o Ministério Público, há ‘indícios de que o Secretário Mocarzel e o Prefeito Jorge Roberto teriam sido avisados previamente sobre a situação de risco vivenciada por moradores de áreas atingidas por desmoronamentos no Município de Niterói, deixando de tomar qualquer medida para proteger os moradores, fato que, se verdadeiro, poderia gerar responsabilidades na esfera penal’.

(...)


Além de oficiar o Prefeito e o Secretário Municipal, Antonio José requisita à delegada Juliana Emerick, da Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente que encaminhe cópia do Inquérito Policial que apura responsabilidades penais pelas mortes ocorridas no desmoronamento do Morro do Bumba. Também pede à Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Niterói que envie cópia dos autos do procedimento instaurado para apurar responsabilidades no âmbito da tutela coletiva.”

A prefeitura de Niterói afirmou, em nota, que “vai prestar todos os esclarecimentos necessários ao Ministério Público Estadual e provar que não houve omissão do poder público municipal em relação à tragédia das chuvas de abril.”

Ouça trechos das entrevistas realizadas no dia 22 de maio:
Magda Fonseca
Anderson Ferreira
 
Assista ao vídeo do “Globo Notícias”, veiculado dia 8 de abril:
Recolhimento de doações para os desalojados de Niterói, no Clube Canto do Rio.

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