sábado, 31 de julho de 2010

Associação de moradores do Morro dos Prazeres luta contra a remoção

Texto e fotos: Rafaella Barros e Elson de Souza e Silva Jr.

Morro dos Prazeres, Rio de Janeiro
Quase dois meses após a tragédia das chuvas no Rio de Janeiro, que matou mais de 30 pessoas e destruiu dezenas de casas no Morro dos Prazeres, em Santa Teresa, os moradores ainda convivem com um incômodo cenário: imóveis destruídos, pessoas morando de favor na casa de amigos e parentes, esgoto a céu aberto e a interrupção do fornecimento de luz, água e telefone. Por isso, tudo indicaria que o reassentamento total da comunidade, defendido pela prefeitura, seria uma escolha unânime entre os moradores. Mas não é assim.

Nenhum dos moradores entrevistados afirmou desejar permanecer em áreas de risco. Porém, quando questionados se gostariam de voltar para as suas casas, após serem feitas obras de contenção no morro, a resposta positiva foi unânime: todos demonstraram apego às suas histórias de vida e ao que conseguiram construir com tanto esforço ao longo dos anos.

A presidenta da associação de moradores, Eliza Rosa Brandão, vem lutando pela permanência da comunidade no local. Explica que os deslizamentos, assim como em outros morros do Rio e de Niterói, já eram uma tragédia anunciada: “Em março nós enviamos um ofício solicitando à prefeitura obras de contenção nos Prazeres, Escondidinho, Vila Elza, 42 e Favelinha. Não responderam nada. A única resposta da prefeitura foi depois da tragédia, condenando a comunidade”.

O protesto contra os laudos da Geo-Rio

Eliza Rosa Brandão, presidente da associação de
moradores da comunidade
Eliza reclama que o sistema de esgoto da comunidade não recebe reparo há dez anos: a última reestruturação do sistema teria sido cancelada pelo prefeito Eduardo Paes no início de seu mandato. Ela também desqualifica o laudo apresentado pela Geo-Rio, que recomenda a remoção de toda a comunidade, afirmando que o documento foi elaborado em menos de 24 horas:

“No dia 8 de abril o jornal O Globo noticiou que o prefeito havia decretado a remoção total dos Prazeres. Eu achei muito estranho, um dia após a tragédia, a gente não tinha retirado nem vinte por cento das nossas vítimas, ele já ter determinado isso. E a Defesa Civil não interditou imóvel nenhum, o próprio morador é que ia lá à tenda da Defesa Civil se ‘autointerditar’”.

Segundo Eliza, até aquele momento nada havia sido feito nas áreas de risco e nenhum morador tinha recebido qualquer tipo de indenização. Ela conta que a prefeitura do Rio, com a equipe da Secretaria da Habitação, chegou ao Morro dos Prazeres para marcar as casas que seriam derrubadas, sem verificar se os moradores já estavam recebendo o aluguel social ou se haviam sido informados sobre a indenização de suas casas. “No início não iam dar indenização pra ninguém, era só o futuro ‘apertamento habitacional’, o projeto ‘maravilhoso’ do nosso prefeito... se ele quiser ser meu vizinho nesse ‘apertamento’ vai ser uma beleza”.

A defesa do “Favela-Bairro”

Eliza considera que o principal interesse da prefeitura em desocupar a favela é favorecer a especulação imobiliária, pois do morro se descortina uma vista privilegiada da Baía de Guanabara. Por isso, contesta o subprefeito do Centro, Thiago Barcellos, que, segundo ela, disse aos moradores que todas as casas da comunidade seriam removidas, sem exceção, e que a área seria reflorestada. Ao mesmo tempo, argumenta que a manutenção da favela preservaria o interesse turístico: “favela é cultura, é isso que atrai os turistas”.

A ausência de manutenção contínua e assistência à comunidade é um dos fatores que colaboram para tragédias como a de abril. Os moradores afirmam que as áreas onde ocorreram os deslizamentos foram justamente aquelas não beneficiadas pelo projeto Favela-Bairro. Apesar dos problemas, foi esse projeto que, na opinião de Eliza, deixou a comunidade em pé: “Tem problemas? Tem. Por descaso da prefeitura. Porque há quase 10 anos a nossa comunidade não tem manutenção da prefeitura com relação a saneamento básico, ao nosso sistema de esgoto, que está aí se deteriorando”.

A disputa política envolve grande parte das poucas ações nas comunidades pobres, que muitas vezes ficam no meio de um “fogo cruzado” eleitoreiro. Eliza diz que, ao fim do seu último mandato, o então prefeito, César Maia, assinou um contrato para todas as comunidades terem três bombeiros (um chefe e dois auxiliares) para cuidarem da manutenção do esgoto, uma vez que o contrato da Cedae previa tratamento de esgoto na cidade, mas dentro das comunidades a responsabilidade ficava a cargo da Secretaria de Habitação. “O Prazeres foi uma das últimas a ser beneficiada com esse projeto, que durou apenas três meses porque no dia 1o de janeiro de 2009, assim que o nosso prefeito assumiu a primeira coisa que ele fez foi cancelar esse contrato. Eu acho que ele já entrou com o propósito da remoção, porque cancelar um projeto desses que beneficiava a comunidade... isso é um absurdo”, protesta Eliza.

O abandono para justificar o abandono


A comunidade organizou um mutirão para remover o lixo,
acumulado devido à falta de saneamento 
Desde o desastre, não houve mais coleta de lixo pela Comlurb, o que levou os moradores a organizarem, no dia 8 de maio, um mutirão para retirar o lixo, onde havia até animais mortos. Quase metade dos moradores ficou sem luz e a parte atingida pelas chuvas de abril também está sem água. “As pessoas estão sendo abandonadas para elas abandonarem as suas casas. A sensação é essa”, diz Eliza.

A representante da associação reclamou ainda que, três meses antes, havia solicitado à Light a retirada de um poste que caiu após uma chuva. A fiação ficou sobre a casa de um morador. Nada foi feito e, em consequência disso, uma criança havia levado um choque e estava internada.

Além da falta de fornecimento de serviços básicos, a única creche da comunidade está fechada e muitas mães não têm com quem deixar seus filhos para trabalhar.

Os problemas com o aluguel social

Os moradores dizem ter sido orientados pela prefeitura afirma para usarem o aluguel social em casas dentro da própria comunidade, o que revelaria uma contradição, pois a própria prefeitura considera que a área inteira está sob risco – por isso teria de ser desocupada. Mesmo assim, muitos tentaram alugar alguma moradia no próprio morro, mas nenhum havia conseguido nada até aquele momento porque não havia casa disponível dentro da comunidade e o dinheiro do benefício não era suficiente para alugar fora dela.

A empregada doméstica Sandra Regina Macedo, de 39 anos, residente da comunidade, está abrigada na sede da associação de moradores desde o dia da tragédia. A sua casa está interditada devido à ameaça de deslizamento de uma pedra. Ela diz que não pretende voltar para onde morava: “Estou com medo até de pegar as minhas coisas”.

Sandra recebeu um cheque de R$ 1.200, referente a três meses de aluguel social, mas não conseguiu encontrar nenhuma casa por R$ 400 mensais na região. Está inscrita no projeto “Minha casa, minha vida”, mas não há nenhuma previsão de quando ela e o marido, ambos desempregados, poderão se mudar.

Sem aluguel nem indenização

A família da estudante Sara está desabrigada e não consegue
receber o benefício da Prefeitura
Segundo a Associação de Moradores do Morro dos Prazeres, cerca de 45 famílias receberam o aluguel social – um número que deveria ser bem maior, considerando a quantidade de desabrigados. Uma delas, a estudante de Economia Sara Carolina Ferreira da Silva, de 21 anos, argumenta que não está conseguindo receber o benefício ao qual sua família teria direito. Reclama que o nome de sua mãe não está mais na lista de desabrigados e que não está recebendo informações claras por parte da prefeitura do Rio sobre o motivo dessa exclusão.

“Estive na prefeitura há alguns dias e eles me mandaram procurar a presidente da associação de moradores. Estamos precisando muito desse dinheiro, encontramos uma casa na Chácara [região próxima ao morro] por R$ 450 por mês, mas a dona pede depósito de três meses. Além disso, a prefeitura ofereceu apenas R$ 10 mil para nossa casa, e quando a compramos pagamos mais de R$ 70 mil”, conta a estudante.

Sara mora na área onde aconteceu o desabamento que vitimou cerca de 30 pessoas. Na rua de sua casa é possível ver um grande vazio deixado pelo deslizamento de terra. Agora, só resta lama, entulho e homens da prefeitura limpando o local. José Ferreira, tio de Sara, teve a casa totalmente destruída e ainda não tinha recebido nenhuma ajuda da prefeitura.

A estudante conta ainda que só não perdeu seus parentes porque o muro de sua casa conseguiu conter a terra. Mesmo assim, eles tiveram que abandoná-la devido ao medo de uma nova tragédia e ao cheiro de matéria orgânica em decomposição que tomou conta do lugar. Porém, apreensivos, eles se revezam em visitas à antiga casa, todas as tardes, com medo dos saques. Sara reclama ainda do descaso da prefeitura:

“Nós pagamos cerca de R$ 300 por ano de IPTU nessa área. No entanto, a prefeitura nos abandonou, tirou nossos serviços básicos. Sempre que pedimos à Oi para religar nosso telefone, a resposta é que eles não têm autorização da prefeitura para operar na área. Há muitos moradores sem água e luz”.

Quando dois é igual a um

O pagamento do aluguel social expõe também injustiças, de acordo com a presidente da associação de moradores. Como, segundo ela, os autos de interdição foram distribuídos indiscriminadamente nos dias seguintes às chuvas, a prefeitura não teria exata noção de quem é de área de risco e quem não é. Eliza exemplifica: “Teve morador que recebeu o aluguel social e não é da área de risco. Mora dentro da comunidade. Pegou o aluguel social e voltou para a casa dele. Vou condenar esse morador porque é oportunista? A prefeitura deu essa abertura pra ele. Em compensação, tem duas vítimas, sobreviventes da tragédia, que perderam parentes, e não receberam o aluguel social até hoje”.

Eliza aponta outro problema na relação com o governo: os critérios para indenização. Segundo ela, em audiências na comunidade os representantes da prefeitura informaram que quem possuía mais de uma casa e as perdeu só tem direito a uma indenização, pois o ressarcimento é feito a cada pessoa.

“Realocar” pessoas: o que está em jogo

A prefeitura pretende transferir os moradores do Morro dos Prazeres para um conjunto habitacional onde ficava o antigo presídio Frei Caneca. São prédios de quatro andares, sem elevador. “E os nossos deficientes? Nós vamos fazer o que com eles? Continuar carregando no lombo, né? Nas costas”, reclama Eliza.

Outra preocupação é quanto à própria localização do conjunto habitacional, pois os morros ao redor são comandados por uma facção criminosa rival da que atua nos Prazeres. Por mais que os moradores não tenham qualquer relação com traficantes, só o fato de serem de lá já os torna inimigos para os criminosos rivais.

Fora isso, quem trabalha próximo à comunidade ou no próprio bairro de Santa Teresa terá de arcar com a despesa da condução. Vale-transporte é só para quem tem carteira assinada, o que não é o caso da maioria.

Mas há um problema ainda maior, que diz respeito às diferenças da vida na favela e no asfalto, e que demonstra as dificuldades dos projetos de reassentamento. Em suas comunidades, além dos “puxadinhos” que servem para abrigar mais de um núcleo familiar, muitos moradores usam o quintal de suas casas como borracharias, salões de beleza, armazéns, botecos e outros tipos de atividade para se sustentar ou completar o orçamento. Com a mudança para um conjunto de prédios, acaba o fundo do quintal e, com ele, a renda que faz tanta diferença no cotidiano dessas famílias.

A resposta da Geo-Rio

A Geo-Rio informou, por meio de sua assessoria, que realiza o monitoramento de encostas há mais de 40 anos e tem um banco de dados em que são armazenadas informações colhidas em todas as vistorias realizadas pelos técnicos. Afirmou que, por isso, não há necessidade de inspecionar cada imóvel, já que os laudos são feitos através do estudo das encostas e das regiões próximas a elas. O documento entregue no dia 12 de abril ao Ministério Público e ao Tribunal de Justiça, solicitando o reassentamento das famílias do Morro dos Prazeres, resultaria desse processo de trabalho.

A Geo-Rio não confirmou a “autointerdição” das casas pelos moradores e afirmou que só tem conhecimento das interdições orientadas pela própria instituição.

Mesmo após várias tentativas de contato, não foi possível falar com qualquer representante da Secretaria Municipal da Defesa Civil.


Galeria:

Pelo caminho até o Morro dos Prazeres, a vista exuberante e o conjunto de casas sólidas contrastam com as imagens da destruição provocada pelos deslizamentos.

Fotos: Elson Souza e Silva Jr.

2 comentários:

Anônimo disse...

Os laudos apresentados pela GeoRio são POLITICOS, MAL FEITOS, VERGONHOSSOS, MENTIROSOS, INFAMES E ENCOBREM A REMOÇÃO ABSOLUTA DE COMUNIDADES CONTRARIANDO A CF E A LOM.
DESCASO DO PODER PUBLICO DESSA PREFEITURA NAZISTA
ASSINADO
http://wwwestradinha1014.blogspot.com/

Alice disse...

Boa Tarde!

Gostaria de entrar em contato com a Associação de Moradores dos Prazeres. Será que vocês sabem me informar um contato (e-mail, telefone...)?

Desde já agradeço a atenção

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