domingo, 30 de maio de 2010

Antes da Chuva

Por Denise Tavares

Moradora nova procura lugar, em fevereiro de 2010, para se estabelecer com a família. Não conhece a cidade. Hum...adorou a ideia de morar na praia. Achou os preços um tanto, bom, não vem ao caso. Curiosa, ouve conversa dali e daqui. Traumatizada com as enchentes que enfrentou nas marginais em São Paulo – sim, ela vem de sampa – sonha com lugar sequinho, desses que a gente circula mesmo debaixo de um toró. Zum zum de cá, zum zum de lá: “Ah, a Roberto Silveira vira um mar... Nossa, a Presidente Backer, quando chove, ninguém passa...Aqui na Gavião, é só chover um pouco que é rodo na mão e reza na cabeça para não inundar a loja e a gente perder o serviço”, recolhem seus ouvidos, entre um sorriso e outro da gente simpática da cidade que sempre encerrava conversa com um “Seja bem-vinda. Você vai adorar aqui”.

Precavida, decidiu que o melhor era encarar uma estratégia mais objetiva já que o marido, saudoso do ritual molha planta todo fim de tarde, se encantou com uma casa, pé de morro, bem no alto da travessa Abel.

E lá fomos, em dupla, procurar a Defesa Civil. Primeiro entrave: onde?

Pelo telefone a resposta veio rápida. Em passos, já na rua, nem tanto. Escondidinha, nem o vizinho – daqueles pegados, parede parede – lembrava onde ela estava. A ressaltar a gentileza de todos: em não sabendo, se prontificavam a indagar e apesar da inundação de “não, não sei...”, finalmente encontramos o lugar graças a um palpite certeiro de um transeunte ocasional.

Bom, se há um lugar em que o Profeta Gentileza teria certeza que cumpriu a missão esse lugar é Niterói. Para o bem (e, como veremos, logo adiante, também para o mal), um dos encantos da cidade é realmente os braços abertos, talvez espelho lustroso do Cristo. Por isso, que se faça a ressalva: o “causo” aqui narrado tem como base a vontade imensa de melhorar um serviço que, pouco depois dessa minha aventura, revelou-se crucial para salvar vidas.

Tentando encurtar a história: nem bem adentramos o recinto e já vimos um simpático senhor oferecendo os préstimos do telefone público a uma moçoila que, dengosa e bela, solicitou “uma ligadinha”. É a velha confusão entre o privado e o público, matutei, desgostosa. Mas, relevando este fato que não é, nem de longe, exclusividade de Niterói (ao contrário, é quase regra brasileira), o diabo é que, diante de nossa cândida solicitação sobre áreas de riscos na cidade, após a atenção à moça, o funcionário de plantão, que se revelou há muitos anos no serviço, não sabia confirmar a problemática da travessa Abel.

- Não, ali, não... Não lembro de nada por ali, não. Onde fica mesmo essa travessa?

- Mas o senhor não tem um mapa, assim, que mostrasse para a gente onde há risco de enchente, deslizamento...

- Não, não tem. Olha, ali atrás, no Pé Pequeno, eu sei que é só chover e vem uma gentarada com problemas. Ali inunda tudo. Na Roberto Silveira também...

- Mas a gente viu um vídeo, na Internet, que mostrou a Mariz e Barros, em dezembro de 2009, neste último fim de ano mesmo, inundada!

- É, tem lugar em Icaraí que é assim. Mas agora não é mais não. Nossa, há muito tempo que já não inunda nada. Não tem mais isso não. Não tem perigo não.

E a conversa ficou nesse lembro não lembro. Ele “puxava” a memória conforme falávamos um ou outro lugar, citou a região Oceânica como um pedaço que tinha alguns pontos complicados e só.

Diante deste quadro, desistimos. Na dúvida, optamos por um apartamento em Icaraí, longe de qualquer morro e em andar baixo - mas não térreo porque existe, quem sabe, a ressaca do mar (coisa de paulista)... De qualquer modo, a experiência ficou. Como existe agora, mais do que nunca, uma vontade imensa de fazer uma campanha que, de fato, capacite a Defesa Civil como ela merece.

O valor e dignidade de muitos funcionários que integram a Defesa Civil em Niterói ficaram provados no pior esquema do mundo: eles foram duramente solicitados. A torcida agora é que as tais autoridades competentes abram os olhos e percebam que a cidade merece estar aparelhada conforme nos oferece o século XXI. E que os cidadãos cobrem duramente por isso.

Quem sabe, neste modelo, consigamos reunir o que há de melhor nos dois tempos: a preciosa, gentil e afetiva hospitalidade que a cidade guarda dos seus dias de “pequena” e um mergulho ágil, competente e amplo nas novas tecnologias, que vão dar asas e eficiência a um órgão que é vital para qualquer cidade que queira manter-se no patamar mínimo de boa qualidade de vida. Gente, Niterói merece!

Denise Tavares, professora de jornalismo no IACS/UFF

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