sábado, 21 de agosto de 2010

Moradores do Morro do Fogueteiro lutam para permanecer em suas casas

Rafaella Barros (texto) e Elson Souza e Silva Jr. (texto e fotos)
Vista do morro do Fogueteiro, em Santa Teresa

















“Está tudo condenado”. Mário Medeiros, vice-presidente da Coligação das Favelas de Santa Teresa, disse que foi esta a sentença dos técnicos da Fundação Geo-Rio e da Defesa Civil em vistorias no Morro do Fogueteiro após o temporal do início de abril.

A conclusão foi contestada, entretanto, pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, que realizou sua própria vistoria em 24 de maio. Mário, que participou no mesmo dia de uma audiência pública na Mitra Arquiepiscopal do Rio de Janeiro, considera que há outros interesses por trás da defesa da retirada total dos moradores da região. Na audiência, que contou com a presença de uma comissão das comunidades atingidas pelas chuvas, ficou decidido que o prefeito Eduardo Paes, o governador Sérgio Cabral e o ministro das Cidades, Márcio Fortes, seriam convidados a explicar a decisão de retirar todos os moradores. “O prefeito não quer fazer nada, só quer remover”, disse Mário.

Casas condenadas devido a um deslizamento












O Fogueteiro não sofreu os mesmos estragos que o Prazeres, comunidade vizinha: não houve mortos e apenas três casas foram atingidas pelos deslizamentos. No entanto, o governo defende a desocupação total do morro, alegando que toda a área é de risco. “A Defesa Civil disse, ‘essas casas aqui sai tudo’!”, relatou Mário, apontando para uma série de construções na comunidade.

A defesa da contenção de encostas 
Mário defende a saída de moradores dessa área e o reassentamento na própria comunidade










Mário, que também foi presidente da Associação de Moradores Unidos de Santa Teresa (Amust), defende alternativas à remoção. “Obras de encosta e manutenção é o que queremos”, diz ele, que defende a retirada de moradores em determinadas áreas mas argumenta que novas casas poderiam ser construídas dentro da própria comunidade com material reciclado, de baixo custo, e com mão-de-obra dos próprios moradores. Mário afirma que a Secretaria Municipal de Habitação descarta essa possibilidade, alegando que a contenção das encostas não seria suficiente. Porém, segundo ele, a última obra desse tipo no Fogueteiro foi feita há mais 20 anos pela Geo-Rio:

“Sempre falaram sobre riscos de deslizamentos. Há sete anos não há nenhuma atuação da prefeitura, projetos, obras, nada”. Ele disse ainda que a comunidade foi incluída no “Bairrinho” (o projeto Favela-Bairro), mas diversas obras ficaram inacabadas.

Um retrato do abandono 

Basta circular um pouco pela comunidade para constatar a falta de manutenção dos serviços básicos, problema que há tempos faz parte do dia-a-dia da população do morro. A coleta de lixo, que era realizada três vezes por semana, passou a ser feita apenas uma vez, antes mesmo da tragédia. Mário conta que já formou vários mutirões para a limpeza das encostas e que tenta conscientizar os moradores, que seguem jogando seu lixo em locais indevidos. Segundo ele, o maior problema da comunidade é o esgoto: “O Bairrinho não fez todo o trabalho de saneamento básico. Muito esgoto é jogado na galeria de águas pluviais”.

Tubulação destruída por falta de manutenção. O esgoto corre na rua















A Creche Municipal Unidos de Santa Teresa ficou pronta em 2004, mas até hoje está abandonada. A construção serviu, a princípio, apenas para “barrar” a troca de tiros entre o Fogueteiro e o Querosene, onde atua uma facção criminosa rival, mas logo sofreu com o fogo cruzado e com tiros da própria polícia. O espaço hoje é usado para alguns cursos esporádicos, além de abrigar quatro famílias que tiveram que deixar suas casas depois das chuvas.

A diferença entre estar na própria casa e ter casa própria

O laudo de interdição da casa de Carine
Carine de Brito, de 26 anos, está morando há mais de dois meses com sua família em uma sala da creche da comunidade, depois que metade da sua casa desabou e o local foi interditado. Divide o espaço com a irmã, o marido e os dois filhos, Luiz Cláudio, de 5 anos, e Maria Eduarda, de apenas 10 meses. Os três adultos estão desempregados e, como as doações pararam de chegar, vivem de biscates, auxiliando em obras e cortando mato. O casal estudou apenas até a 4ª série do Ensino Fundamental.

Carine estava à espera do cheque de R$ 1.200 correspondentes a quatro meses do aluguel social, e vivia a expectativa de, ao fim desse prazo, se mudar com a família para o conjunto habitacional a ser construído no local do antigo presídio da Frei Caneca. “Na verdade, a gente não quer ir, eu preferia continuar na minha casa. Aqui tudo é mais fácil, sou nascida e criada na comunidade, não queria sair. Nunca me faltou nada no morro, todos sempre me respeitaram. Se a minha casa fosse consertada, tivesse uma obra de contenção, eu voltaria correndo”.

De frente para o vazio 

Viviane de Faria, de 25 anos, nasceu no Fogueteiro e trabalha com a mãe vendendo doces e salgados. Sua casa não caiu, mas está próxima a uma área interditada e, agora, fica de frente para o enorme barranco que surgiu após um deslizamento. No local, hoje um vazio, havia uma casa de dois andares.

A moradora contou sobre a sua insatisfação quanto ao aluguel social, que ainda não recebeu, mas que está longe de ser uma solução para ela e a mãe: “Mil e duzentos reais não adiantam nada. Eu vou ter que dar três meses de depósito mais a mudança. Onde o aluguel era R$ 400, agora tá R$ 600. É um valor muito alto! Aqui eu pago R$ 280 e, como é do meu tio, se eu atrasar, ele ‘segura’. Pra eu ir para um lugar onde eu vou pagar bem mais caro, eu prefiro continuar aqui”, contou.

O barranco aberto em frente à casa de Viviane

Viviane também falou sobre as despesas que os moradores terão na nova habitação e que não existem no morro: “Aqui ninguém paga nada, nem luz, nem água. Lá vão pagar isso e mais o condomínio. Como é que a pessoa sem renda, sem nada, vai sair daqui? Vai comer o quê? Não é que as pessoas ‘não querem’. Elas não têm condições”.

Em busca de informação 

A aposentada Maria do Rosário de Assis, de 50 anos e moradora há mais de 14 no Fogueteiro, procurou nossa equipe durante a reportagem para pedir informação, pensando que éramos funcionários do governo. Segundo ela, a prefeitura não está prestando qualquer esclarecimento aos moradores da área, nem tampouco está fornecendo algum auxílio financeiro. “Eu não quero a remoção, quero apenas que a prefeitura faça um muro para conter o barranco que está caindo em cima da minha casa. O subprefeito visitou as casas e falou que vai remover tudo”.

Maria passa os dias na casa condenada pela Defesa Civil. No entanto, toda noite ela vai dormir na residência alugada na Rua Cândido de Oliveira, paga com os salários dos filhos, que moram com ela. A aposentada contou também que paga R$ 250 anuais de IPTU e que seu maior desejo é ter sua casa própria de volta, em segurança.

A casa de Maria do Rosário, ameaçada pelo barranco nos fundos

Sem jeito de “se virar” 

Boa parte da população do Fogueteiro é analfabeta ou semi-analfabeta. Mário Medeiros diz que o desemprego resulta não apenas da desqualificação profissional como da falta de criação de oportunidades para a comunidade por parte do governo. “Há um projeto de cursos profissionalizantes do PAC, mas não acontece. O melhor trabalho social é o emprego”.

A casa do catador Aroldo 












Uma das formas de sobrevivência é o trabalho por conta própria, na própria casa. “Como é que você vai abrir um bar dentro de um apartamento? Há pessoas que montam uma oficina em casa, é tudo informal. Lá não vai ter como ser informal”, disse Viviane. Mário lembrou o caso de um morador: “O Aroldo, que é catador de lixo... Como é que ele vai morar em um apartamento?”.

Os botões de Caetana 

Moradora no Fogueteiro, a artesã Samira Caetana, 25 anos, tem um blog chamado “Meus botões”, onde registrou um pouco da situação de sua família após as chuvas de abril e também de alguns moradores da comunidade. No dia 3 de maio, pouco mais de 20 dias após a tragédia, a jovem postou um dos dois e-mails que enviou ao subprefeito Thiago Barcellos, para os quais não obteve nenhuma resposta. No primeiro, reclama:

“Tivemos várias reuniões na associação de moradores e nada foi esclarecido, um dia vão derrubar as casas, no outro vão fazer obra de contenção. Na última reunião nos foi informado que hoje dia 28/04 quarta-feira o cheque do auxilio aluguel estaria pronto, pela terceira vez fomos pegar o 'tal cheque' e nada. Fomos informados que o sr. não entregou a documentação necessária para o preenchimento dos cheques. Meu caro subprefeito, não sei quem diz a verdade nessa grande confusão que se tornou nossas vidas, o fato é que não podemos voltar mais para casa!”

O silêncio das autoridades 

No dia 20 de junho, Caetana escreveu-nos um e-mail dizendo que apenas ela e mais duas famílias haviam recebido o cheque do auxílio aluguel. Segundo ela, existem famílias que estão retornando para as suas casas, mesmo com risco, além de casos extremos, como de uma família de 17 pessoas que está morando em uma casa de apenas um quarto. No mesmo dia, Caetana fez um novo desabafo na sua página na internet:

“Continuamos fora de casa (73 dias), sem as resposta que precisamos, o cheque do auxilio aluguel no fogueteiro só três famílias sabem como é, a minha e mais duas, meus vizinhos estão voltando para suas casa rachadas, aí você me diz: - LOUCURA!!! Não, meus queridos, é o desespero, não sei no resto do mundo, mas no Rio de Janeiro não há uma política séria de habitação, nem de nada!”

Como Caetana, tampouco nós conseguimos contato com alguma autoridade. Foram cinco tentativas de falar com o subprefeito Thiago Barcellos, que pararam em sua assessoria. Seja por e-mail ou por telefone, representantes da Defesa Civil e da Geo-Rio não se dispuseram a atender qualquer solicitação de informações relativas à situação das comunidades que sofreram com as chuvas de abril.


Galeria

Do Morro do Fogueteiro se avista o Corcovado e o Morro dos Prazeres, com suas cicatrizes de terra. No Fogueteiro a destruição foi menor. Ainda assim há pontos de deslizamento e casas que ficaram à beira de barrancos. O emaranhado de fios mostra a rede elétrica sem manutenção. O prédio rosa e branco da creche acolheu famílias desabrigadas. O lixo que se acumulou pelas ruas foi aos poucos sendo recolhido pelos trabalhadores da comunidade.

2 comentários:

Anônimo disse...

Excelente materia Gostaria que os jornalistas vistem nossa Comunidade Ladeira dos Tabjaras em Botafogo para ver o descaso da prefeitura.
Mais info nosso blog http://wwwestradinha1014.blogspot.com/

Anônimo disse...

Cabral está fazendo um ótimo trabalho na administração do estado. Muita coisa ainda pra mudar, mas não dá pra fazer mágica! Cabral está no caminho certo!

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