segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Vidigal: interesse político pela favela varia de acordo com a estação

Por Evandro Pereira

Passaram-se cinco meses desde que deslizamentos de terra provocados por um temporal causaram mortes e muitos transtornos a moradores do Vidigal. À época, assim como agora, os proprietários de habitações na comunidade – ameaçadas ou não – questionavam, diante de tamanha tragédia, o projeto de regularização fundiária co-elaborado pelos Ministérios da Justiça e das Cidades, seus propalados benefícios e suas reais conquistas. Agora, assim como à época, nada de prático é feito pelo poder público, ainda que a favela adquira certa relevância política durante o período pré-eleitoral. De concreto, somente os escombros de uma casa – onde mãe e filho faleceram – cobertos por lama e promessas.

Ediram Campello por pouco não teve sua casa atingida durante as chuvas de abril, seu quintal foi invadido pela terra que deslizou de um barranco. Técnicos da Defesa Civil aconselharam a desocupação do imóvel, mas as alternativas – ir para uma escola municipal da comunidade ou a um abrigo da prefeitura em Campo Grande – pareceram-lhe. Ela recorreu a amigos e vizinhos que removeram o entulho e possibilitaram o acesso normal à casa. “Se eu ficasse esperando pelo governo, teria terra até hoje em minha porta”, diz. Mutirões semelhantes, organizados entre os próprios moradores, se multiplicaram após os deslizamentos. A chuva passou, deixou de ser notícia, voltou o clima de aparente normalidade.

As promessas de sempre
Desempregada, Mônica faz campanha, mas não vota: "Nunca tirei meu título, nem sei como é".
A proposta de regularização fundiária que registraria títulos de habitação em nome dos proprietários permanece em tramitação processual. Inglória tarefa encontrar um morador que se lembre do projeto. Fácil é se deparar, pelas ruas e vielas do morro, com cabos eleitorais que distribuem panfletos, agitam bandeiras e envergam camisas com fotos, nomes e números dos candidatos. É o caso de Mônica Oliveira, desempregada, mãe de dois filhos. Ela ganha R$ 20 para postar-se no ponto de ônibus em frente ao principal acesso à favela nos horários de maior movimento, faça chuva ou faça sol. “Todo político é safado, menos este aqui”, garante ao interpelar, de assalto e santinho em riste, uma senhora que se esforça para entrar no coletivo lotado. Tem como resposta um olhar de desdém. “É assim mesmo, quase ninguém pega o papel. Dos que pegam, nenhum guarda”. Ela própria parece não acreditar muito no sistema de representatividade política: “Eu não voto. Nunca tirei meu título, nem sei como é”.

O círculo vicioso

Paulo Muniz, coordenador da ONG Horizonte e há três décadas envolvido com a política no morro, afirma que o Vidigal apresenta, em escala reduzida, as mesmas características arraigadas na sociedade brasileira. “É um círculo vicioso. O cidadão não tem consciência de seus direitos, embora reconheça os problemas. Quando tem ciência de seus direitos, nada faz para se organizar e cobrá-los. A ignorância leva à inércia, que leva a uma alienação ainda maior, que leva...”

...a um terreno fértil para o oportunismo eleitoreiro. A batucada de um bloco carnavalesco interrompe e ao mesmo tempo confirma a fala de Paulo. Ritmistas da comunidade ocupam a praça na entrada do Vidigal pela terceira sexta-feira consecutiva, sempre à noite, na volta dos trabalhadores a seus lares. Entre um samba e outro, Rogério, mestre de bateria, agradece pelas caixas de som a um candidato a deputado estadual. Panfletos são distribuídos entre os foliões. A gratidão de Rogério deve-se à Kombi para o transporte dos instrumentos e à cerveja que, por R$ 3 o latão, molha a garganta do público presente ao carnaval fora de época. “Proposta? Não, não sei qual é. Mas é como diz o Tiririca, pior não fica...” aposta Fábio Custódio, futuro pierrô. O puxador ataca com um samba não tão antigo, mas de enredo manjado: “Me leva que eu vou, sonho meu...”



Descrença e revolta

Marinaldo Freire, que perdeu sua família – mãe e filho soterrados – no temporal de abril, recusa-se a comentar sobre o ocorrido porque acredita que seria em vão. É sua irmã Lia quem lhe serve de porta-voz, e vocifera: “Não adianta chorar, dar entrevista. Nada trará Ana e Dário de volta”. Questionada se a veiculação do testemunho de Marinaldo não poderia servir para pressionar os órgãos públicos ou, ao menos, como alerta à população em áreas de risco, Lia é taxativa, antes de bater o portão de sua casa com certa impaciência: “Político só se lembra que pobre existe em eleição, e ninguém se importa com a tragédia alheia até que a sinta na própria pele”.

Uma chuva fina cai em prenúncio de que o tempo vai piorar.

1 comentários:

Gabriella Moura disse...

Ótimo blog! Continuarei acompanhando.

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