domingo, 15 de agosto de 2010

Na Várzea das Moças, vida nova com o peso das lembranças

Laís Carpenter

Conseguir um novo local para morar depois que se perde tudo parece que basta, como se todos os problemas se resolvessem de uma hora para outra. Mas não é bem assim. A mudança brusca da rotina, a perda repentina das referências habituais nas pequenas coisas do cotidiano, os danos psicológicos provocados pela lembrança da tragédia se refletem no olhar vago e na falta de ânimo de quem sobreviveu e ainda ganhou casa com móveis e eletrodomésticos básicos.



Jaqueline Ferreira da Silva, 24 anos, devia estar feliz no apartamento do condomínio Várzea das Moças, um conjunto de 93 unidades recém-construído e comprado pelo governo do estado para alojar as vítimas do desabamento do Morro do Bumba. “Estou satisfeita, mas não é a mesma coisa. Lá eu tinha muito mais privacidade e agora a gente tem que conviver com pessoas que a gente não conhecia”, afirma, ressaltando que o morro era muito grande e os vizinhos de agora não são os mesmos de antes.

Vinda do Morro Martins Torres – onde também morava em uma área de risco –, Jaqueline havia se mudado para o Bumba há dois anos. Com dois filhos – Paloma, de 10 anos, e João Pedro, de 1 –, a jovem tenta administrar o orçamento apenas com o salário do marido, Washington dos Anjos, 38 anos, que trabalha como porteiro. Os gastos da família tiveram que ser racionados, pois Washington, que antes tinha um carro, destruído no deslizamento, tem agora que pegar dois ônibus para ir trabalhar. Além disso, ainda precisam pagar conta de luz e de água.

Na escuridão
Sem porteiros e na escuridão
Outro problema é a segurança do local. Nos primeiros dias, havia porteiro pago pelo governo, além de policiais. Agora não há mais. “A gente está sem ninguém para ficar na portaria. De noite fica tudo escuro lá embaixo, qualquer um pode entrar. A Caixa (Econômica, financiadora do condomínio) disse que podia mandar alguém, mas a gente ia ter que pagar uma taxa e são poucas as pessoas que tem condições para isso”, diz Jaqueline.

Os novos moradores receberam as chaves com o compromisso de não alugar, vender ou modificar o apartamento num prazo de cinco anos. Assistem a palestras promovidas pela rede de lojas que doou móveis e eletrodomésticos, ganham cestas básicas de um grande supermercado e de igrejas, contam com a presença de uma assistente social. Mas, diz Jaqueline, “a gente ainda tem muita dúvida sobre as coisas. Tem coisa que nós perguntamos e cada um responde diferente do outro, aí a gente fica inseguro. Queremos saber quando os nossos amigos que também perderam casa vão vir pra cá”, comenta, mostrando que os moradores ainda estão psicologicamente muito abalados com a tragédia. “Muitas pessoas perderam parentes. Quando a gente olha pela janela sempre tem um chorando”.

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