terça-feira, 26 de março de 2013

Por Julianna Prado 

Já era tarde da noite, por volta das 22h. Chovia e ventava bastante naquela quarta-feira, dia 7 de abril de 2010. A diarista Leandra Maria de Oliveira, 40, já estava em casa com o marido, paraplégico, quando se preparava para dormir. Quando a chuva começou a ficar mais intensa, Leandra recebeu a ligação de uma sobrinha que avisara que o morro estava caindo. Foi aí que a sua vida se tornou um pesadelo.

Leandra morava com o marido e mais cinco filhos na época em que houve o deslizamento do Morro do Bumba, em Niterói, tragédia que matou 169 pessoas na cidade e deixou mais de 13 mil desabrigados. Natural de Volta Redonda, a diarista morava havia 16 anos no morro e nunca tinha presenciado algo tão tenebroso como naquela noite.
“Só deu tempo de passar a mão nas crianças e nos documentos. Ventava muito e minha casa começou a encher de água. Minha sobrinha avisou que o tio dela e o sobrinho viriam nos buscar. Era muita lama e o caminho da minha casa era bem estreito para passar. Onde eu morava tinha muito bambu. Por isso, não escutei nada diferente do que o barulho da chuva e das plantas”, contou Leandra.

Após saírem com vida do deslizamento de terra, a família Oliveira conseguiu se abrigar em uma creche onde um dos filhos estudava na época. Depois de um mês, a família passou mais um ano e um mês no 4º Grupo de Companhias de Administração Militar (Gcam), no Barreto, e depois teve que se mudar para o 3°Batalhão de Infantaria (3°BI), em Venda da Cruz, já que o alojamento que abrigou cerca de 300 pessoas não apresentava boas condições físicas e estruturais para recepcionar as famílias.

“Eles (governantes) desativaram o Gcam dizendo que iam fazer um projeto e jogaram a gente aqui. Não fizeram nada lá e deixaram a gente aqui. Lá (Gcam) era mil vezes melhor do que aqui. Já se passaram três anos e nós permanecemos no 3°BI!”, contou.

Atualmente, Leandra, como outras famílias que vivem no alojamento do 3°BI, recebe R$ 400 mensais pelo aluguel social dado pela Prefeitura de Niterói. Mais de 250 pessoas ainda esperam o término da construção do conjunto habitacional Zilda Arns I e II, no bairro do Fonseca, porém a entrega, prevista para abril desse ano, deverá ser adiada novamente. Na última quarta-feira, dia 20, dois dos 11 blocos do conjunto apresentaram rachaduras após fortes chuvas e terão de ser demolidos. Com isso, o prazo de entrega dos novos prédios será definido após a elaboração de um laudo técnico da Caixa Econômica Federal (CEF). Todos os 11 edifícios dos dois conjuntos passarão pela perícia.

Falta de estrutura

As vítimas do Bumba recebem quatro refeições por dia (café, almoço, lanche e o jantar) nas “quentinhas”. De acordo com a mulher, a comida de uns tempos para cá melhorou. Em algumas ocasiões, a comida era servida com gosto de validade vencida. “A comida da prefeitura é precária. Agora tá melhorando aos poucos. Antes você não conseguiria comer. Era horrível, era muito ruim. Muita gente não comia. Às vezes vinha salgada, às vezes vinha azeda. De tanto a gente reclamar, melhorou”, disse.

Na época da entrevista, a família Oliveira completara 1.095 dias dentro do alojamento. Ao longo desse tempo, Leandra se lembra que, apenas a partir de novembro de 2012, o abrigo passou a receber a volta de uma equipe de assistência social e da segurança. “Ficamos sem assistência social e segurança durante um bom tempo”, informou.

Quatro dos cinco filhos de Leandra permanecem estudando em unidades públicas de Santa Rosa e Tiradentes, ambos no município de Niterói. A mais velha, Mônica, de 18 anos, teve que deixar os estudos um pouco de lado, já que estava no nono mês de gestação de Marcus Kennedy.


Dentro do alojamento, Leandra comemorou aniversário, Páscoa, Natal e outras datas festivas. Também lá, Leandra viu o marido, hipertenso, ter duas paradas cardíacas e ser levado para a UPA do Fonseca, após horas de espera, no dia 31 de dezembro de 2011. Somente no início da madrugada do dia 1º de janeiro de 2012, Evaldo Rodrigues deu entrada no hospital Estadual Azevedo Lima, também na região, mas morreu depois de três dias na unidade. Agora em 2013, Leandra se prepara para a chegada do primeiro neto. Perguntada sobre a expectativa de melhora e como vê a vida dentro do alojamento, a viúva respira fundo antes de responder: 

“Eu queria uma resposta do governo. Todo mundo quer, todo mundo quer sair daqui de dentro. Não sou somente eu. Tá ruim! Ninguém esperava que a gente ia viver uma vida aqui dentro, né? E a gente praticamente está vivendo. Uma coisa que era para ser resolvida em seis meses, tá durando três anos (completa três anos no próximo dia 7 de abril). Se o governo não der uma solução, vamos ficar mais três, quatro, cinco anos. O que eu espero é que a gente saia o mais rápido possível daqui. Eu vou ser avó. Aqui é um abrigo. Não é a casa da gente. Então, eu sonho todo dia que eu vou sair daqui. Eu vou sair daqui!”, contou, angustiada. 

No alojamento, a água, a luz, o saneamento básico e a coleta de lixo são precários. Assistência médica não há. Esses são um dos fatores que preocupam os desabrigados devido a uma possível proliferação de doenças. Muitos moradores do 3°BI sofrem de hepatite A, tuberculose e diabete. Também há pessoas com deficiências físicas e muitos animais que não recebem vacinas e muito menos banho. 

Devido à constante falta de água, alguns moradores procuram o banheiro da 72°DP (Mutuá), delegacia que foi realocada temporariamente próxima ao 3°BI, para tomar banho. A coleta de lixo ocorre três vezes na semana. Mas nem parece. Resíduos espalhados pelo chão e poças de água são em grande quantidade. Os moradores já se acostumaram a viver com a proliferação de mosquitos, ratos e, até mesmo, cobras.


Leandra até tentou sair do alojamento com o valor do aluguel social, mas com essa quantia não conseguiu nenhuma residência que atendesse às necessidades. “Às vezes me dá desespero com vontade de sair daqui. Tenho sensação de impotência, de não ter condições de sair. Vou ficar muito decepcionada se esse apartamento não vier. Constantemente vamos lá na obra para ver como está o andamento”, comentou, esperançosa, na época da entrevista, sem saber dos incidentes ocorridos na semana passada. 

História semelhante 

Como o sofrimento de Leandra, existem outras histórias parecidas. A experiência de Nathalia da Silva, 38, não é diferente. Antes da tragédia do Morro do Bumba, houve um deslizamento de terra no Morro de Tenente Jardim, também em Niterói, na época em que chovia bastante em todo Estado do Rio. 

A diferença de data da tragédia é de apenas dois dias. Moradora há oito anos do morro, Nathalia se lembra bem do que aconteceu na noite do dia 5 de abril de 2010, quando perdeu o marido e ficou soterrada por mais de três horas. “Estava com meu marido e meus quatro filhos quando de repente a casa caiu. Não vi nada. Foi tudo muito rápido. Parecia um furacão, saiu levando tudo. Eu e mais três filhos ficamos machucados. Meu marido acabou falecendo. A única que não sofreu nada e nos resgatou foi a Ana Flávia, que na época tinha 11 anos”, contou. 

O acidente aconteceu às 2h. Como a casa estava alagada, todos da família estavam acordados. Ana Flávia conseguiu resgatar os irmãos porque estavam próximos na hora da tragédia. Nathalia ficou bastante machucada durante o soterramento, já que um dos ferros do motor da geladeira atingiu a sua perna esquerda. Ela conseguiu ser resgatada por vizinhos, mas não quis procurar o atendimento médico. 

Depois da tragédia, Nathalia e a família ficaram alojadas durante dois meses em uma escola. No alojamento, um enfermeiro fez os curativos na perna de Nathalia. A mais velha, Ana Carolina, também ficou bastante ferida e chegou a ficar internada em um hospital. Até hoje, a filha possui uma deficiência na perna direita e ficou com muitos traumas do acidente. 

No dia 16 de janeiro de 2013, Nathalia descobriu que a filha está com diabetes. Os remédios para ajudar na cura da doença foram dados por um posto de saúde. Mas a mãe não tem ideia de como é a doença e nem o modo como deve proceder para os novos hábitos de alimentação da filha.



Planos adiados 

Em abril, Nathalia também completa três anos instalada no 3°BI. A expectativa é sair o mais rápido possível de lá. “A vida aqui dentro já está enjoando. Todo dia é a mesma coisa. Agora descobri que a minha filha mais velha tem diabetes e vou ter que parar de trabalhar para conseguir tratamento para ela. Trabalho como diarista, mas agora vai ficar difícil. O que me preocupa é a saúde dela”, disse. 

A vida no alojamento é bastante complicada não só pela falta de higiene como também pela restrição à circulação de pessoas, como relata Leandra: “Estou presa aqui dentro. Visita aqui tem hora. Se alguém quiser dormir aqui, não pode. Antes tinha horário para sair, horário para entrar. Agora é que a gente quebrou esse tabu. No começo, era muito difícil para a gente ficar aqui dentro. Antigamente, se você saísse às 19h e quisesse entrar às 23h, não podia”, disse Leandra. 

Para as duas mães, sobreviventes de tragédias parecidas, há uma contagem regressiva para sair do abrigo. Amigas desde que se conheceram no 4°Gcam, elas fazem planos de como será a nova vida depois que estiverem nas suas próprias casas. 

“Enquanto há vida, há esperança. Eu já faço planos para a minha nova casa. Penso como vai ser minha sala, meu quarto, minha cozinha. Se um dia alguém chegar aqui e disser que a casa tá pronta, eu não quero pegar nada meu. Vou direto para lá! A única coisa boa que vou levar para vida são algumas amizades que tenho aqui”, afirmou Leandra, com um sorriso no rosto. 

Promessa de governo 

No dia 17 de janeiro de 2013, uma parte do Morro do Palácio, no Ingá, deslizou. O novo prefeito de Niterói, Rodrigo Neves (PT), visitou o local no dia seguinte e prometeu a instalação de sirenes em áreas de risco, que faz parte do novo programa “Chuvas de Verão”, com o intuito de comunicar os moradores que existe possibilidade de deslizamento, evitando tragédias. 

Durante a visita, o prefeito, perguntado sobre a entrega dos apartamentos para os moradores do Morro do Bumba, trabalhava com o prazo de entrega para abril – o governo anterior prometera para março. “Desde a tragédia do Morro do Bumba, muito pouco tem sido feito. Até mesmo, nesta comunidade (Morro do Palácio). Já em abril, vamos entregar o primeiro conjunto habitacional do nosso governo. São cerca de 500 casas habitacionais. Vamos priorizar os desabrigados que ainda estão no 3°BI, desde a tragédia do Bumba. Por isso, queremos concluir esse processo e também teremos a entrega das casas para as famílias que recebem o aluguel social, mas que vivem em área de risco. Temos um plano para a construção de cinco mil unidades habitacionais até 2016 (até o fim do mandato), com o intuito de não termos mais essas situações tristes”, complementou Rodrigo Neves. Os incidentes registrados no conjunto habitacional vão adiar, no entanto, o sonho de Nathalia e Leandra.

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