sábado, 23 de abril de 2011

Comércio de Teresópolis tenta se recuperar após tragédia de 12 de janeiro

Quase seis meses após o maior desastre ambiental do país, empresários lutam para retomar o ritmo de trabalho

Por André Coelho e Júlia Garcia

Restarante Linguiça do Padre, na zona rural de Teresópolis:
parado há 2 meses, ainda funciona abaixo da capacidade
Oswaldo Tatagiba tem 81 anos e é proprietário do tradicional restaurante Linguiça do Padre, no bairro de Bonssucesso, zona rural do município de Teresópolis. O local é conhecido pela receita própria de linguiça artesanal, além de pratos típicos da culinária alemã e da culinária mineira. Após a tragédia que destruiu parte da cidade na madrugada de 12 de janeiro, o restaurante ficou dois meses parado. “Ficamos ilhados, sem telefone, sem nada. Só tínhamos luz graças a um gerador”, lembra ele. A situação só começou a se normalizar a partir de maio e a casa consegue , com muito esforço, funcionar com 80% da capacidade.

Apesar de tudo, o comerciante não perdeu a fé. “Com muita dificuldade, aos poucos, a gente se levanta. Dinheiro a gente consegue recuperar, mas o trauma daquela noite não é algo fácil de esquecer”. A cachoeira que fica ao lado do restaurante foi por onde desceu a maioria dos corpos das vítimas dos deslizamentos da região de Bonsucesso. Muita gente desceu ainda viva pelo rio. “Os gritos eram impressionantes”, recorda Oswaldo, que mora no mesmo local do restaurante, onde cuida também de estufas de vegetais, flores e da venda de doces mineiros.

Cachoeira ao lado do restaurante, por onde
foram arrastadas muitas vítimas da enxurrada
Além de corpos, a cachoeira arrastou também um caminhão e oito carros de passeio que seguiram o curso do rio e ficaram presos em uma caverna. “Provavelmente tem gente presa lá. Nem o fiscal do seguro de quatro carros conseguiu entrar onde estão os veículos. É muito perigoso”, diz. “Ele tirou uma foto de cima e olhe lá. Foi embora com só isso mesmo”. A casa do vizinho foi completamente alagada, mas por sorte não havia ninguém dentro dela. “Já na casa mais adiante, meu filho teve que entrar à força para salvar três pessoas”.

Cachorro Pitoco, adotado pela família de Oswaldo após a tragédia
O cachorro Pitoco, pequeno e já velho, desceu na enxurrada com um galo, mas os dois conseguiram sobreviver. O cãozinho ainda encontrou cinco cadáveres na região nos primeiros dias após a enchente, que isolou moradores e comerciantes da área. “Agora ele é nosso. Ajuda a alegrar um pouco o ambiente”, brinca Oswaldo.

Nívea Olavo dos Santos é mineira de Espera Feliz e se mudou para Teresópolis uma semana após a tragédia. Estudante de Engenharia Ambiental no Centro Universitário Serra dos Órgãos (Unifeso), Nívea trabalha numa imobiliária, ramo que se beneficiou com a tragédia. “As corretoras ganharam muito com a nova situação do mercado. Muitas pessoas perderam tudo, além dos moradores que estavam em áreas de risco e precisavam buscar novas moradias com urgência”, diz Nivea.

A destruição completa de bairros e a condenação de áreas inteiras do município geraram extrema valorização imobiliária em Teresópolis, principalmente das residências mais baratas. “As casas que custavam R$40 mil passaram a valer R$80 mil”, diz Nivea. “Mesmo assim, as vendas aumentaram, graças aos financiamentos do governo, que chegam a R$100 mil”. Os aluguéis também aumentaram. Casas que eram alugadas por R$ 1 mil dobraram de preço.

Os contratos de aluguéis por temporada aumentaram devido ao curto período de duração, que fica em torno de três meses. Os principais interessados são os moradores que recebm o aluguel social da prefeitura. Mas mesmo com o auxílio, não há como escapar do aumento nos preços. “Até o preço das quitinetes subiu. Um apartamento conjugado que podia ser alugado por R$ 300 está saindo por R$460”, conta Nivea, que também foi vítima da especulação imobiliária da cidade.

“Cheguei aqui com um caminhão de mudança às 9h com um contrato de aluguel assinado. Descobri que o proprietário tinha perdido tudo em Nova Friburgo e não poderia mais me alugar o apartamento, já que estava morando nele. Tinha apenas quatro horas para conseguir outro, já que precisava liberar o caminhão”, diz a estudante. Nivea só conseguiu um apartamento meia hora antes do prazo para liberar o motorista. “Foi horrível, só sobraram os piores. O mercado está muito aquecido na cidade. Os valores estão nas alturas. Mas valeu a pena. Estou feliz em Teresópolis, são novos ares, novos amigos. Espero que um dia a cidade se recupere”, afirma Nívea.

Áreas de Atuação

Para Sérgio Gonzaga, economista da Prefeitura do Rio de Janeiro, as principais atividades afetadas pela tragédia de 12 de janeiro foram o turismo e a agricultura. “Isso ocorre pelo receio das pessoas em voltar à região afetada e pela dificuldade em escoar a produção agrícola após a destruição das estradas, o que obrigou os produtores a desenvolverem novas estratégias de logística”. Sérgio afirma que a retomada das atividades econômicas no município devem começar com a reconstrução da infraestrutura atingida pelo temporal.

“O governo pode atuar através da disponibilização de linhas de crédito subsidiadas para retomada da produção e pela redução de impostos e encargos para a indústria”. Por parte da iniciativa privada e do empreendedorismo individual, o investimento pode se concentrar no incremento das atividades turísticas da cidade. Segundo Sérgio, “isso pode ser feito através da publicidade das atividades turísticas, por meio da promoção da rede hoteleira com o objetivo de estimular o setor”. O economista acredita que a agricultura pode contar com formas alternativas de distribuição da produção, com menor custo ou até com cooperativas, para que a capacidade produtiva volte aos antigos patamares.

A prefeitura de Teresópolis informou que desenvolveu e já executa o Plano Emergencial de Economia Teresopolitana, que consiste em uma parceria com a InvestRio, através do Programa de Apoio Solidário (PAS) que disponibilizou cerca de R$ 30 milhões em linhas de crédito. O benefício é destinado à pequenas e médias empresas afetadas pela tragédia.

O PAS foi criado para financiar empreendimentos situados em áreas declaradas de emergência ou calamidade pública que foram diretamente afetadas pelas fortes chuvas que atingiram o estado. É um programa itinerante de crédito que disponibiliza empréstimos com juros abaixo do mercado para a recuperação das empresas. As linhas de crédito do PAS podem ser usadas na aquisição de máquinas, equipamentos, reconstruções de edificações comerciais e recomposição de capital de giro.

Sérgio Gonzaga define o sentimento geral no município, quase seis meses após a tragédia das águas. “ A palavra principal é reconstrução. Reconstruir a vida, a casa, os negócios, retomar a vida normal dentro do possível. Sempre em parceria permanente com o poder público, para que este disponibilize todas as condições de retomada dos negócios e, consequentemente, a retomada do crescimento da região”.

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