quarta-feira, 25 de maio de 2011

Campo Novo ontem e hoje: o dilema do Rio Matapaca

Por Ronaldo Rodrigues

Campo Novo é uma localidade de Maria Paula, bairro localizado parte em Niterói e parte em São Gonçalo. Nesta região as águas do rio Matapaca subiram e invadiram casas a mais de 60 metros de distância de onde correriam normalmente. Mesmo em pontos afastados do leito, a água atingiu mais de 1,80m de altura. Casas ficaram submersas, algumas foram destruídas, mais de 100 pessoas ficaram desabrigadas, moradores perderam tudo que possuíam e alguns tiveram de ser resgatados de barco dos telhados de suas casas. Apesar da atualidade do tema, este incidente não tem nada de novo.




Início da década de 1960. A localidade de Campo Novo ainda era pouco habitada. À exceção da rua principal, a atual Avenida Expedicionário Bittencourt, as casas ficavam afastadas umas das outras. As margens do rio Matapaca, à época de águas límpidas, ainda eram ocupadas por vegetação ou utilizadas por alguns dos moradores para o cultivo de hortas. A do seu Henrique, português criado no Brasil desde criança, foi praticamente destruída por uma enchente depois de uma noite inteira de chuva forte.

O terreno da horta localizava-se a 20 metros de uma das margens e ficou encharcado. Praticamente todas as verduras foram estragadas. A casa na qual seu Henrique morava com a mulher, grávida, e nove filhos era a quase 80 metros da horta e não foi afetada. Um quilômetro e meio abaixo no curso do rio a correnteza arrebentou a primeira ponte de concreto de ligação com o bairro de Tribobó. A ponte nunca foi reconstruída.


Julho de 1990. Maria Paula já é um bairro movimentado e populoso. Grande parte dos moradores é composta de nordestinos que vieram para a região a partir dos anos de 1970. Às margens do rio Matapaca casas e casebres se proliferaram. Lixo e esgoto in natura são despejados diretamente curso de água, que já não é mais limpo e sofreu assoreamento. No final de uma tarde, uma tempestade fez o nível da água subir rapidamente. Casas ficaram submersas, outras foram destruídas.

Célia Regina, 24 anos, grávida de sete meses de seu primeiro filho, quase foi arrastada pela correnteza formada. Mesmo os 30 metros de distância entre sua casa e o rio não foram suficientes para evitar que a água chegasse a mais de 1,5m de altura no “quarto e sala” cedido pela irmã e vizinha, Glória. A jovem foi salva pelo cunhado, que a resgatou com a ajuda de uma corda amarrada a uma árvore do outro lado da rua, local onde a correnteza estava mais fraca. Seis meses depois, Célia, o bebê e o marido, que no momento da enchente estava no trabalho, mudaram do bairro. A irmã e o cunhado continuaram na região, mas mudaram para longe do rio. Nenhuma obra de dragagem foi feita no trecho do rio que encheu.


5 de abril de 2010. Um temporal causou desastres nos municípios do Rio de Janeiro, Niterói e São Gonçalo. Novamente o rio Matapaca encheu. Porém, com a saturação da ocupação da região do Campo Novo, o agravamento do assoreamento do curso de água e a falta de medidas por parte da prefeitura, o estrago foi ainda maior que o das enchentes anteriores.

O casal Carla Daniele, 28 anos, atendente de padaria, e Adilson Ambrozine, 33, motorista de ônibus, mora num terreno a 50 metros do Matapaca. Seu quintal começou a encher depois de meia noite e meia do dia 6. Por volta das 02h20 da manhã a água já estava no chão da sala, 60 centímetros acima do nível do terreno. Nas paredes de um quarto de ferramentas na parte de trás do terreno marcas mostram que a água chegou a 1,8m de altura.

Quintal do casal Ambrozine: antes e depois da enchente
 Apesar do susto o casal foi um dos menos afetados da região, perdeu um sofá e dois armários. Conseguiram levar seus pertences para o segundo andar da casa. A maior parte dos outros moradores da área não teve a mesma sorte. Uma senhora com o filho pequeno e os vizinhos do lado do casal Ambrozine tiveram de ser resgatados de barco de cima do telhado de suas residências. Mesmo assim Adilson afirma não ter medo de continuar na região. “Se tiver que acontecer alguma coisa vai acontecer, as pessoas são responsáveis pelas enchentes ao jogarem lixo no rio”.

Mais preocupante é a situação de centenas de pessoas que têm casas mais próximas ao rio. Estas residências foram as mais afetadas pelas chuvas, algumas foram interditadas, outras até desabaram. Segundo o comerciante Luiz dos Santos Carcabrine, 49, conhecido como Santinho, morador do Campo Novo desde os sete anos e líder comunitário da região, logo após as chuvas centenas de pessoas ficaram desabrigadas. Ele contou que mais de 100 tiveram de sair de suas casas e ficaram instaladas na Escola Municipal Alberto Pasqualine por quase uma semana.

Santinho, que ocupa o posto de “líder comunitário” desde 1992 quando criou um serviço de limpeza das ruas, o que na época não era feito pela prefeitura, e começou a organizar obras em esquema de mutirão, contou: “Foi uma catástrofe, a cidade toda parou e aqui não foi diferente. Nós moradores que nos organizamos para dar algum tipo de assistência, recolhemos doações e conseguimos que o Pasqualine fosse aberto para abrigar as pessoas por um tempo”.

Entulho após a última enchente

Primeira semana de Maio de 2011. Até hoje a situação das pessoas que tiveram as casas invadidas é difícil. As que tinham condições, ou conseguiram receber o Aluguel Social da Prefeitura, se mudaram para áreas afastadas do perigo. Porém, seu Santinho aponta que a maior parte ainda está morando com parentes ou acabou por voltar a viver na beira do rio. O senhor Antônio Lopes, 51, carpinteiro e morador do Campo Novo há 33 anos, foi um dos que ajudou a recolher doações na Paróquia local, a de Nossa Senhora Aparecida. Ele contou que a situação dos que voltaram a morar próximos ao curso do rio é preocupante: “Sempre que chove um pouco mais forte o nível da água sobe e há alagamentos das margens. Ainda por cima tem gente morando em casas que ficaram com rachaduras e correm o risco de cair”.

Apesar disso os moradores apontam que a prefeitura nunca fez obras e nem mesmo a dragagem do trecho do Matapaca que atravessa o Campo Novo. Adilson e seu Santinho afirmaram não entender a razão desta omissão. Ambos lembraram, mesmo sem estarem juntos durante suas entrevistas, que obras e o desassoreamento do rio foram feitos na parte do Matapaca que chega ao bairro do Arsenal, a uns 8 km abaixo no curso do rio. Porém, como disse seu Santinho: “Até agora nós daqui do Campo Novo só tivemos promessas”.

Ao entrarmos em contato com a Secretária de Habitação de São Gonçalo a primeira pergunta que nos fizeram foi: “Mas, Maria Paula fica em São Gonçalo?” Depois, mandaram que procurássemos a Assessoria de Comunicação da Prefeitura. A Secretária de Recursos Hídricos também nos encaminhou para a Assessoria de Comunicação. No setor responsável pela comunicação nos foi solicitado que enviássemos um e-mail com as perguntas que seriam respondidas assim que possível. Enviamos a mensagem no dia 13 de maio. Ainda não recebemos resposta.

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