quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Niterói planeja construir 8.936 casas populares

Os programas de habitação de interesse social buscam reduzir um déficit de 15 mil moradias no município. Apesar da expectativa do poder público, o terreno acidentado da cidade, a pouca infraestrutura das regiões que receberão as habitações e a necessidade de planejamento urbanístico são os principais obstáculos dos programas “Morar Melhor” e “Minha Casa, Minha Vida”


Por Lizandra Machado


O município de Niterói planeja construir 8.936 unidades habitacionais por meio dos programas Morar Melhor e Minha Casa, Minha Vida (MCMV). As famílias que vivem em áreas de risco e as que recebem aluguel social terão prioridade para morar nas novas unidades. Os investimentos totais serão de cerca de R$ 375 milhões, segundo a vereadora Verônica Lima (PT), presidente da Comissão de Habitação Popular e Regularização Fundiária da Câmara de Vereadores de Niterói.


Para conter o déficit habitacional de 15 mil moradias no município, segundo pesquisa da Fundação João Pinheiro sobre a Região Metropolitana de 2007, o programa Morar Melhor atua em paralelo com o Minha Casa, Minha Vida, do Governo Federal. “É a primeira vez na história de Niterói que há um programa habitacional para atender quem ganha de zero a três salários mínimos”, afirmou Verônica.

As famílias cadastradas no Morar Melhor e no MCMV são separadas por faixas salariais que valem para ambos os programas. O Banco de Cadastro de Demanda Habitacional da Secretaria Municipal de Habitação e Regularização Fundiária (SMHRF) possui um total de 29.228 famílias inscritas, das quais 25.814 têm renda mensal de até R$ 1,6 mil, enquadradas na primeira faixa do MCMV. Outras 3.087 têm renda entre R$ 1.600,01 e R$ 3.275,00 e estão situadas na segunda faixa do programa. As 327 famílias restantes com renda entre R$ 3.275,01 e R$ 5 mil estão classificadas na terceira faixa.

As famílias com renda mensal de até R$ 1,6 mil são prioridade dos programas habitacionais. De acordo com a SMHRF, está prevista a construção de 5.134 unidades desta faixa. Desse total, 1.474 unidades nos bairros do Fonseca, Caramujo e Tenente Jardim estão com as obras iniciadas.

Também já começou a construção de 324 moradias para famílias com renda na faixa 2 e outras 216 moradias para famílias da faixa 3. A previsão é que sejam construídas 2.226 unidades habitacionais na faixa 2 e 1.576 na faixa 3. Há obras em andamento nos bairros do Rio D’Ouro, Bela Vista, Fonseca e Sapê para beneficiar famílias nestas duas faixas de renda.



O MCMV, realizado em parceria com os estados e os municípios, é coordenado pelo Ministério das Cidades. De acordo com a SMHRF, a prestação mínima mensal do financiamento das moradias é R$ 25, que podem ser corrigidos, e a máxima de 5% da renda mensal, durante 10 anos. Uma família que recebe R$ 700,00 por mês, vai pagar uma prestação de R$ 35. As famílias que se encaixam nas faixas 2 e 3 de renda participam de outra modalidade do programa e recebem subsídio de acordo com a renda familiar, com financiamento de até 100% do imóvel em até 30 anos.


Terreno acidentado

"Água que se esconde" na língua tupi, Niterói está situada em uma região de topografia acidentada. O relevo é um dos principais dificultadores para construção de empreendimentos habitacionais, segundo a SMHRF. 

As irregularidades nos terrenos em Niterói encarecem o custo da infraestrutura, diferentemente dos municípios vizinhos, como São Gonçalo e Maricá, que apresentam maior quantidade de áreas planas - propícias para a construção. “Com isso o construtor prioriza atuar nos municípios de topografia plana”, informou, através de nota, a SMHRF em resposta aos questionamentos enviados por e-mail. 

O professor de Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (UFF) Gerônimo Leitão rebate: “Mas é possível construir em encostas. Tem o projeto no Pedregulho, um dos clássicos da arquitetura moderna brasileira, situado numa área de encosta e é um projeto belíssimo”. Construído em área de topografia acidentada entre os anos de 1946 e 1952, o Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes, mais conhecido como Pedregulho, localizado em Benfica, na Zona Norte do Rio de Janeiro, é considerado um modelo de habitação popular. 

Dentre as dificuldades apontadas pela SMHRF em relação às áreas disponíveis para construção estão a identificação de terrenos para desapropriação e a demora causada pela burocracia. “Constantemente identificamos áreas viáveis para edificação de empreendimentos habitacionais de interesse social mas, por não possuírem marcos limites devidamente definidos no RGI [Registro Geral de Imóveis], requerem regularização de sua titulação para aprovação dos projetos e consequente contratação junto à CAIXA, e não é um trâmite rápido”, explicou a SMHRF.

O valor do terreno também é um dos agravantes dos programas habitacionais. Niterói é considerada uma das cidades mais caras para se comprar um imóvel, de acordo com o Índice FipZap de maio deste ano, com valor médio de R$ 7.373 o metro quadrado. 

O diretor comercial da imobiliária Attitudi Imóvel, Hélio Moraes, afirma que está difícil a aquisição de imóveis na cidade. “O município de Niterói não supri [essa demanda habitacional] porque os valores são bem maiores. É mais fácil as pessoas adquirirem em São Gonçalo”, disse Moraes. 

Segundo a SMHRF, o custo do terreno em Niterói muitas vezes não corresponde ao potencial construtivo e valores adotados pelo MCMV, impactando diretamente na busca de alternativas em áreas com topografia que restringem o número de unidades habitacionais.


Urbanização

As áreas distantes ou com pouca infraestrutura são as que mais recebem habitações de interesse popular. Para muitos, o plano prescinde de mecanismos que favoreçam o adequado crescimento urbano dessas regiões. “O governo municipal tem priorizado as comunidades carentes da cidade. O Caramujo é uma delas e algumas ações já realizadas indicam essa priorização”, afirma a vereadora Verônica Lima.

Questionada sobre as áreas das cidades que recebem os empreendimentos, a SMHRF alegou que a Lei 2.660/2009 permite a contratação de empreendimentos do MCMV em qualquer área da cidade julgada viável pelas secretarias de Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo. A articulação entre planejamento urbano e política habitacional é criticada pelo professor Gerônimo Leitão. “O Minha Casa, Minha Vida não é um programa de urbanização; é um programa de produção de habitação”, continua. “É evidente que o Governo Federal vai apresentar números, mas números não traduzem a qualidade da cidade”.

A SMHRF afirmou que a política habitacional passa necessariamente pelo planejamento urbanístico. Para cada empreendimento do MCMV, para famílias com renda mensal de até R$ 1,6 mil, é elaborado um Relatório de Diagnóstico de Demandas por Serviços Públicos e Urbanos que avalia a região, o entorno e o impacto que as famílias contempladas com as unidades habitacionais vão gerar, identificando se será necessário construir ou ampliar a rede de ensino, saúde e assistência social. Este relatório identifica todos os serviços públicos, sociais, comerciais e lazer, inclusive as linhas de ônibus que transitam no local, as condições de pavimentação, iluminação, entre outros.


Morro da Maravilha

Em 2010, dez casas foram atingidas por deslizamentos de terra na comunidade do Morro da Maravilha, localizada no bairro do Fonseca. Há quatro anos, a cidade sofria com os temporais e famílias tiveram que ser removidas. Moradores que ainda vivem na comunidade trabalham em conjunto para fazer melhorias enquanto não veem a possibilidade de saída.

A comunidade do Morro da Maravilha abriga cerca de 400 pessoas (Foto: Lizandra Machado)
Cerca de 400 pessoas moram atualmente na comunidade, segundo a Associação de Moradores e Amigos da Cinco de Março (AMACM). A comunidade é considerada pequena pelos moradores, no entanto, a dificuldade de acesso às casas que ficam na parte alta do morro é a maior preocupação. “Aqui não tem grandes problemas, tem locais piores. O pessoal está fazendo um mutirão para consertar o acesso ao morro, que tem buracos. Há trechos que já desabaram, falta fazer contenção de encosta, a rua tem falha de asfaltamento. São coisas não muito grandes, mas que precisam do poder público”, disse um morador que não quis se identificar. 

Ele ainda afirmou que a Defesa Civil fez um mapeamento da região e em algumas comunidades já estão providenciando a contenção. Outras aguardam. “A Defesa Civil, não só em Niterói, mas em muitos outros municípios, ainda tem que andar muito em termos desse tipo de projeto. A coisa aqui, além de ser cara, é lenta para fazer”.

Mutirão dos moradores da Maravilha para melhorias no acesso às casas da parte alta do morro (Foto: Lizandra Machado)
A presidente da AMACM, Verley Ribeiro, demonstra preocupação com a comunidade, principalmente no verão. “A água quando cai vai arrastando tudo. O verão é a época mais perigosa aqui, entre dezembro e janeiro. Temos preocupação com isso”, disse Verley.

Presidente da AMACM, Verley Ribeiro, em frente à sua casa no "asfalto", ao pé do morro, de onde dá assistência às famílias da comunidade (Foto: Lizandra Machado)
Em relação às áreas de risco, a vereadora Verônica Lima informou que as ações referentes às intervenções físicas são concentradas na Secretaria de Obras e na Empresa Municipal de Moradia, Urbanização e Saneamento (Emusa). As famílias que moram em áreas de risco têm prioridade garantida pela própria Lei que criou o MCMV. “A prioridade sempre será retirar as famílias da área de risco e preservar a vida dos munícipes. Registramos o trabalho que vem sendo desenvolvido pela Vice Prefeitura e Defesa Civil nas intervenções de prevenção”, disse Verônica. 


Áreas de risco 

As famílias beneficiadas pelo aluguel social e os moradores de áreas de risco, provenientes das situações de emergência e da calamidade pública, decretadas em 2010, são o foco central dos programas habitacionais. Segundo a SMHRF, a prioridade é “esgotar” o número de desabrigados e beneficiários do aluguel social no município de Niterói. 

O cobrador Alexandre Heberto, de 25 anos, mora na comunidade da Maravilha há seis anos. A casa onde reside é vista com incerteza. “Dos riscos de deslizamento a casa onde eu moro é um pouco mais segura. Mas, atrás, ela vai seguindo um caminho que vai caindo na ribanceira. Pode ser que deslize, pode ser que não. Fica nesse impasse, mas certamente tem risco. Por ser íngreme, a água bate, vai escorrendo e vai escavando com o tempo. Nada acontece da noite para o dia, só com o tempo mesmo”, conta Alexandre. 

Ele também tinha uma casa na comunidade da Teixeira de Freitas, também no bairro do Fonseca, que desabou nos temporais de 2010, mas não quis receber o aluguel social por considerar que não precisava tanto como os outros moradores. Mas afirmou que pretende deixar a comunidade do Morro da Maravilha. 

“Tem muitas pessoas que procuram [as imobiliárias para comprar imóveis no programa] para sair da área de risco. Mas para comprar em Niterói fica difícil porque quem vem dessas áreas normalmente tem uma renda menor. Não se encaixa nesse R$ 1,6 mil [faixa 2 do MCMV para compra de imóveis nas imobiliárias]”, disse Moraes, da Attitudi Imóvel. 

Alexandre Heberto não se inscreveu nos programas habitacionais do município, mas procurou se informar diretamente com a Caixa. “Ela [corretora associada da Caixa] deu as informações de quanto seria de entrada, de quanto tem que gastar com documentação, até quanto poderia adquirir uma casa. Ela falou que é do Governo Federal esse subsídio. O Governo Federal cede o desconto de porcentagem, uns 10, 15 mil. Acho que não é muito, mas ajuda”.

O cobrador Alexandre Heberto pretende deixar a comunidade para ter mais segurança e conforto (Foto: arquivo pessoal)



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