quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Durante e depois da chuva, a tensão num condomínio em Teresópolis

Por Tania Clemente de Souza

Na madrugada da última quarta-feira, a região serrana do Rio foi atingida por uma chuva de proporções incalculáveis. Vivenciei de perto as consequências deste fenômeno, sem entender bem o que se passava. Alguns fatos merecem ser relatados para que se tirem deles algumas reflexões.

De ângulos diferentes, o lago do condomínio, como era
(foto José Limeira) e como ficou (foto José Carlos Suela) 
O local: Retiro da Serra Fazenda Clube 

Nos meados dos anos 60, um grupo de pessoas requisitou junto ao Incra a posse de uma área de terras localizada na antiga Fazenda Alpina, distrito de Santa Rita, Teresópolis. A área escolhida era paradisíaca: um grande lago artificial, alimentado pela água corrente de um rio, cuja nascente se localiza na própria região, é cercado por montanhas que, por circundarem o lago, parecia que o abraçavam. Na parte baixa desta área foi construída a sede de um clube e lançados os seus estatutos. Quem comprasse um título, ou mais, do clube teria direito a um quinhão de 144m2 de terra por título e poderia, também, construir uma casa em qualquer trecho do terreno.

As primeiras construções se estenderam na parte baixa no entorno do lago. Mais tarde, ruas em aclives foram sendo abertas e as construções passaram a ser erguidas na parte alta do terreno. Em nenhum momento o Incra permitiu o desmatamento – o Ibama fiscalizava a preservação da área – nem a construção sem a contenção das encostas. À guisa de ilustração, lembro aqui a construção da casa de um amigo numa área de encosta, no meio da mata. A permissão do Ibama para a obra foi dada a partir da marcação de um “x” em 11 árvores que, de maneira alguma, poderiam ser derrubadas. Foi preciso uma boa engenharia para que o projeto da casa se encaixasse nesse polígono totalmente irregular inscrito entre essas 11 árvores.

No Retiro da Serra não há ocupação irregular, não há lixões nas encostas, não há valas negras e, em nenhum instante, órgãos como o Ibama e o Incra acenaram com a possibilidade de ser ali uma área de risco. Mais de 40 anos se passaram desde a fundação do Retiro, desde 1978 tenho casa na área mais alta do local e nunca vivenciei nada parecido com o que aconteceu na madrugada da última quarta-feira, apesar de ter presenciado fortes temporais em várias outras ocasiões. Haveria, então, culpados para serem responsabilizados pelo que houve?

No alto, o que restou da casa que deslizou para o lago. Embaixo, as pedras que rolaram e obstruíram os acessos no condomínio. Fotos José Carlos Suela

Durante a chuva

As fortes chuvas explodiram o lago de 12 metros de profundidade – hoje reduzido a uma grande poça de lama, com árvores derrubadas, pedras e os destroços de uma casa “Nevada” arrastada com seus ocupantes para dentro do lago, estando ali soterrada. Além disso, a rua que dava acesso à minha casa foi destruída num trecho, trecho esse arrastado para o lago por uma grande massa de água que descia de uma montanha a mais de 800 metros de distância. Outro trecho está obstruído por pedras que pesam toneladas e que desceram de uma montanha próxima que parece ter explodido. Mais duas outras casas, em outra região, foram soterradas por outra barreira que desceu por uma área de extensão quilométrica. Mais três pessoas morreram. É bom que se diga que estamos falando de casas bem construídas, bem fundeadas e com constante manutenção. Trata-se de um condomínio de classe média-alta, sem construções toscas. Haveria, então, culpados para serem responsabilizados pelo que houve?

Mais imagens da devastação no Retiro da Serra.
Fotos de José Carlos Suela
Vivenciar todos esses fatos dá a dimensão da nossa impotência. Não há como agir. Por volta das 3h20 da madrugada do dia 12 eu estava acordada, assustada e apreensiva com o forte barulho da chuva e do vento. Pensava nas casas pobres, fora do condomínio, que compunham a comunidade de pessoas que trabalhavam no clube e em nossas casas. De repente, comecei a sentir que a cama tremia. Durante uns três a cinco minutos perdurou aquele balanço, em seguida ouvi uma sequência de estrondos como se fossem trovões, fiquei mais assustada ainda, pois não via pela vidraça clarões de relâmpagos. O que estaria acontecendo?


O isolamento

Na manhã seguinte, constatei a destruição parcial de uma casa distante uns 400 metros da minha, com a queda da barreira que, por ter explodido, obstruía todo e qualquer acesso à minha casa. Estávamos eu, meu marido e dois pedreiros amigos que trabalhavam em minha casa, isolados do resto do condomínio. Além de nós, ficava também isolado um jovem casal que mora em frente a minha casa, com uma filha de 3 anos. Estávamos sem luz, toda a fiação estava arrebentada com a queda de árvores, sem telefone e sem qualquer sinal de celular. No dia seguinte, estávamos também sem água e a comida começava a acabar. O que fazer?

Neste mesmo dia, começaram a chegar socorros àqueles que estavam na parte baixa do condomínio. Eram helicópteros da Polícia, do Corpo de Bombeiros e do Exército. (Os mesmos usados na tragédia do Haiti). Apesar da chuva que não passava, acenávamos do lado de fora com as mãos, com camisas. Beatriz e Marcos corriam com a pequena Gabriela nos braços para que vissem que havia uma criança, mas nada acontecia: pessoas dentro dos helicópteros faziam sinais de positivo com os dedos, mas como não estávamos alagados, nem feridos, não éramos considerados prioridade. Até quando ficaríamos ali?

A perseverança

A minha persistência me fez andar, quando o tempo clareava um pouco, por dentro do mato, buscando obter sinal no celular. Insisti durante muitas horas, estou repleta de picadas de insetos, mas valeu a pena: consegui, através de uma ligação cheia de ruídos, me comunicar com minha filha no Rio e pedir socorro, e frisar que só seria possível chegar até nós de helicóptero. Voltou a esperança.

A cada helicóptero que passava corríamos desesperados apontando para o campo de futebol de uma residência próxima à nossa, onde seria possível a aterrissagem. Tudo em vão, nenhum deles, apesar de um ou outro ser de prefixo empresarial, nos atendia. Desanimamos e ficamos todos deprimidos. Decidimos voltar para casa.

O alívio

Por volta das 14 horas, como não havia o que fazer, resolvi arrumar a mesa para o almoço. Mais uma vez o ruído de um helicóptero. Dessa vez, nem me abalei, continuei com minha tarefa doméstica. O barulho se tornava cada vez mais próximo, tão próximo que só ouvia aquele ruído cada vez mais forte, até que o motor foi desligado. Só então percebi que, finalmente, o “nosso” helicóptero parara no campo para onde apontávamos.

Corri, como criança, para o campo da casa vizinha – bendito vizinho e seu campo de futebol! Vi meu filho abraçado a meu marido que parecia estar prestes a ter um enfarto, branco, sem fala, sem respirar. Chorei um pouco e experimentei uma sensação única: a um só tempo se sente um misto de alívio e de desespero. Só naquele instante tive a dimensão exata do que estava se passando. Aí você quebra, vai embora toda a sua resistência, vai embora todo o seu grau de razão, buscado não sei onde, para conseguir superar tudo que estávamos passando. Que, por sinal, é muito pouco perto do que outros passaram.

Como não era possível transportar todos para o Rio numa só viagem, primeiro seguiram os nossos amigos pedreiros, Josias e Zé Carlos, e nossa vizinha, Beatriz, com a filha mas sem o marido, que preferiu ficar. Eles foram levados até o Centro de Teresópolis, onde não havia risco e de onde puderam pegar um ônibus para voltar ao Rio em segurança. Depois o helicóptero voltou e partimos, meu filho, meu marido e eu, direto para casa.

Depois da chuva

Já em casa, telefonei para uma irmã e uma amiga pedindo que informassem a outros que estávamos bem. O telefone não parou mais de tocar até às 11 horas da noite. Muitos que tentaram falar não conseguiram: a linha sempre ocupada. No meio dessas ligações, atendi a uma voz masculina que, com certa impostação, indagou se estava falando com a senhora Tania Clemente. Julguei que se tratasse de alguém da Polícia, da Defesa Civil, ou sei lá do que, pois meus filhos tinham acionado todos os meios para tentar nos resgatar. Respondi que sim, que era a senhora Tania. Ouvi em seguida: Dona Tania, aqui é do Banco BMG, que acaba de disponibilizar para a senhora um empréstimo no valor de R$ 52.400,00, à sua disposição em até 48 horas.

Fiquei muda, sem acreditar no que ouvia. A agilidade que faltou no socorro público, enquanto estivemos isolados, sobrava agora, guiada pela fome de lucros privados. Enquanto parte do mundo está desmoronando, outra parte consegue ficar alheia a tudo, cuidando dos seus interesses? Ou será que a vida continua?

Continua, certamente. Mas sob tensão. Quem permaneceu na área se reveza numa ronda para evitar saques. Porque já apareceram por ali pessoas se dizendo da Polícia Civil ou da Defesa Civil, mas que de fato são ladrões que procuram se aproveitar da situação.

4 comentários:

Anônimo disse...

QUE BOM QUE VC ESTEJA BEM!ONTEM MESMO COMENTEI COM MEU GENRO ,QUE A PRESIDENTA DO BRASIL PEDIU URGENCIA NOS EMPRESTIMOS,ISSO E MUITO TRISTE POIS VEJO POR TRAZ DISSO VONTADE DE SE DAR BEM AS CUSTAS DA TRAGEDIA.E TANTA COISA QUE PASSA PELA NOSSA CABECA.MEUS PAIS TINHAM UMA CASA NO RETIRO +OU-28ANOS ,E MORADORES DIRETO HA 12,ELE FOI SALVO MINHA MAE DESAPARECIDA.NOSSA CASA ACABOU.O PIOR QUE VAI FICAR SO NO SINTO MUITO.O BOM DISSO TUDO E QUE DEUS ESTA PRESENTE EM NOSSAS VIDAS ,E NELE PODEMOS CONFIAR.UM ABRACO

Unknown disse...

Querida , também eu e minha família estávamos lá nesta madrugada fatídica.
Bom saber notícias de sobreviventes
Meus pais , filhos e eu fomos resgatados por helicóptero . Nossos carros ficaram e nossa casa até então não fora atingida .
Soubemos que nossos caseiros conseguiram escapar e estamos ajudando a eles e seus familiares
Moramos na cidade de Santos ,na qual já regressamos
Um abraço e espero um dia poder conhece-la pessoalmente .
Luciene da rua das violetas

Anônimo disse...

Alguém tem notícias do pedreiro José Baiano? Ele era meu amigo. Tive uma casinha nesse condomínio, especificamente na rua conhecida como FAVELINHA. Vi imagens do local e constatei, graças a DEUS, que as casas dos meus amigos da "favelinha" estavam perfeitas. Ironia do destino ou não, a favelinha se segurou. Vendi a casa e saí de lá em 2008. Mas lembro que alguém de lá uma vez me disse que a barragem do lago estava com infiltração e passagem em sua base. Gente, aquele lago era artificial, e o fato de existir a mais de 40 anos, não queria dizer que não necessitava de manutenção. Jaques

Anônimo disse...

Oi. Eu fui muitas vezes aí no retiro da serra através de um amigo que vendeu sua casa pouco antes da tragédia.
Eu adorava esse lugar, queria saber se conseguiram recuperar, se está em funcionamento, ou se isso nunca mais vai se passar de uma lembrança boa!?!?
Obrigada!

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