A situação de quem
fugiu do país para buscar uma vida melhor no Rio de Janeiro
Por Camila Martins
Charly, em busca de uma vida melhor no Brasil, embora tenha sofrido preconceitos |
Charly apresentou a importância dos grupos de apoio a refugiados no Rio de Janeiro, que foram os primeiros a acolhê-lo e explicar o processo de refúgio no Brasil. Quando o refugiado chegou no Rio sua maior dificuldade foi a língua, o que retardou sua integração com a sociedade. Além disso, Charly diz ter sofrido preconceito. “Muitas vezes há pessoas que acham que a gente é traficante só pelo fato de ser africano. Também passo a mesma discriminação que os negros daqui passam. Só pelo fato de ser negro sou discriminado”, relata.
Realidade mundial
A realidade de Charly se assemelha à de 50 milhões de pessoas no mundo inteiro atualmente, que vivem a migração forçada. Fugir do país de origem por “perseguição devido à sua raça, religião, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião política” define o que é um refugiado, segundo a Lei n° 9474/1997. O número de refugiados atual já superou a quantidade de refugiados na Segunda Guerra Mundial, segundo dados divulgados pela Organização das Nações Unidas (ONU). Conflitos internos e guerras civis já perduram por um longo tempo, enquanto novos surgem, o que explica o aumento do fluxo de refugiados no mundo.
Novas solicitações de refúgio no Brasil (Fonte: Ancur) |
O Brasil abriga 5.208 refugiados reconhecidos de 79 nacionalidades diferentes, de acordo com um relatório lançado em 2013 pelo Comitê Nacional de Refugiados (Conare). A maioria dos solicitantes vem da África, América do Sul e Ásia, e o segundo destino mais procurado no Brasil é o Estado do Rio de Janeiro, atrás apenas de São Paulo. Os dados mostram um aumento significativo de pedidos de refúgio: em 2010 foram registrados 566 solicitações e, em 2013, 5.256, um aumento de 800% no total. Somente no Rio, são 910 refugiados. Os principais países de origem dos solicitantes são a República Democrática do Congo, Síria e Líbano.
Distribuição geográfica das solicitações de refúgio (Fonte: Ancur) |
Segundo o professor de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) João Felippe Cury, o aumento do número de refugiados pode ter como motivo a ascensão econômica do país. “ Se o Brasil cresce, ele atrai mão de obra de países mais pobres. É o caso do Haiti, por exemplo. Mas há bastante gente da Bolívia e do Peru hoje buscando o país, com imigrantes dos países africanos também crescendo”, afirmou o professor.
Assistência
A política de assistência ao refugiado funciona sobre três bases. O processo se inicia com a análise dos pedidos de refúgio feita pelo Conare, órgão vinculado ao Ministério da Justiça, seguido de uma assessoria do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (Acnur) para o governo, além de fornecimento de recursos para ONGS, que também oferecem assistência aos refugiados. No caso do Rio de Janeiro, destaca-se a Cáritas Arquidiocesana, órgão ligado à Arquidiocese do Rio, que promove o Programa de Assistência a Refugiados (as) e Solicitantes de Refúgio.
“A gente trabalha em três frentes. A primeira é o acolhimento. Assim que eles chegam, procuramos identificar as principais demandas emergenciais. Em segundo, cuidamos da proteção legal relacionada à questão da documentação. E por último, a integração local”, explica Débora Alves, assistente social da Cáritas.
A assistente social também comentou o apoio da comunidade de refugiados já existente no Estado. “A maioria deles vem sem recursos, muitos só com a roupa do corpo. Nos casos dos congoleses, como já existe uma rede estabelecida, eles conseguem apoio da própria comunidade”. A maior parte dos refugiados no Rio de Janeiro mora em Brás de Pina, Penha , Duque de Caxias e Centro, regiões que oferecem opções mais baratas de moradia.
Refugiado do Congo
John Baselé é refugiado da República Democrática do Congo, vítima da guerra civil naquele país. O congolês veio esse ano para o Brasil e, devido às aulas de português oferecidas na Cáritas/RJ, já tem domínio da língua. Hoje está integrado à sociedade de forma considerável. Porém, John também passou por muitas dificuldades ao chegar no Brasil. “Quando eu cheguei não conhecia a Cáritas e precisava de um documento do Brasil. O motorista de táxi que conheci no aeroporto me levou na Polícia Federal e eles me pediram 20 mil dólares só para pegar documentos. Achei que tinha alguma coisa de errado”, relatou o refugiado.
Hoje, John tem uma vida mais estável no Rio. Ele trabalha como garçom e técnico de informática voluntário da Cáritas/RJ. Ele diz que seu principal objetivo é arrumar um emprego melhor para poder ajudar outros refugiados. “Tem pessoas que chegaram em abril, março desse ano e não conseguiram emprego até hoje. Imaginam como eles moram. Isso tudo para mim é triste. Sempre quando vou a Cáritas, volto para casa e não consigo comer, porque tem pessoas que chegam aqui há três dias sem comer”. Charly e John fazem parte dos cinco milhões de congoleses refugiados no mundo.
“Sempre quando vou a Cáritas eu volto para casa e não
consigo comer, porque têm pessoas que chegam aqui há três dias sem comer”
(John Baselé, refugiado
da República Democrática do Congo)
Baselé tem uma vida mais estável no Brasil e quer ajudar outros refugiados |
No âmbito legislativo, a lei n° 9474/1997 assegura os direitos dos refugiados no Brasil, definindo o que é um refugiado e a que órgão público cabe elaborar políticas públicas, como o Conare, por exemplo. Para o advogado da Cáritas/Rj, Fabrício Toledo, a Lei 9474 não detalha profundamente as questões, sendo colocadas em linhas gerais. “Há uma lógica dentro da lei e da legislação brasileira em geral que define competências para cada âmbito da administração. Então nesse sentido tem uma série de políticas públicas que deveriam ser distribuídas entre governo federal, estadual e municipal”, explica ele. Além disso, há um desconhecimento dos refugiados sobre a lei. Quando chegam ao Brasil, a maioria sabe apenas que tem o direito de ser refugiado e de trabalhar, segundo Fabrício Toledo.
O Comitê Estadual Intersetorial de Políticas de Atenção aos Refugiados (Ceipar), criado em 2010, lançou no início de setembro um plano inédito no país que visa formalizar políticas públicas de acolhimento ao refugiado. O Plano Estadual de Políticas de Atenção aos Refugiados, elaborado em parceria com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, o Ministério Público e a Defensoria Pública, tem o objetivo de assegurar os direitos dos refugiados e solicitantes de refúgio através da abordagem de seis eixos principais: documentação, educação, emprego e renda, moradia, saúde e ambiente sociocultural. Segundo a Coordenadora da Política de Atenção aos Refugiados, Patrícia Pontes, esses eixos visam à articulação entre vários órgãos do governo com a sociedade civil. “O Rio de Janeiro ganhou visibilidade principalmente devido aos grandes eventos que vem sediado. Dessa forma, o Rio tem recebido bastantes refugiados. A gente tinha que, de alguma forma, ter uma política humanitária para essas pessoas”, explica a Secretária.
“O Rio de Janeiro ganhou visibilidade principalmente
devido aos grandes eventos que vem sediando.
Dessa forma, o Rio tem recebido
bastantes refugiados. A gente tinha que,
de alguma forma, ter uma política humanitária para essas pessoas”
(Patrícia Pontes,
coordenadora de Política de Atenção aos Refugiados)
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