Passaram-se cinco meses desde que deslizamentos de terra provocados por um temporal causaram mortes e muitos transtornos a moradores do Vidigal. À época, assim como agora, os proprietários de habitações na comunidade – ameaçadas ou não – questionavam, diante de tamanha tragédia, o projeto de regularização fundiária co-elaborado pelos Ministérios da Justiça e das Cidades, seus propalados benefícios e suas reais conquistas. Agora, assim como à época, nada de prático é feito pelo poder público, ainda que a favela adquira certa relevância política durante o período pré-eleitoral. De concreto, somente os escombros de uma casa – onde mãe e filho faleceram – cobertos por lama e promessas.
Ediram Campello por pouco não teve sua casa atingida durante as chuvas de abril, seu quintal foi invadido pela terra que deslizou de um barranco. Técnicos da Defesa Civil aconselharam a desocupação do imóvel, mas as alternativas – ir para uma escola municipal da comunidade ou a um abrigo da prefeitura em Campo Grande – pareceram-lhe. Ela recorreu a amigos e vizinhos que removeram o entulho e possibilitaram o acesso normal à casa. “Se eu ficasse esperando pelo governo, teria terra até hoje em minha porta”, diz. Mutirões semelhantes, organizados entre os próprios moradores, se multiplicaram após os deslizamentos. A chuva passou, deixou de ser notícia, voltou o clima de aparente normalidade.
As promessas de sempre
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O círculo vicioso
Paulo Muniz, coordenador da ONG Horizonte e há três décadas envolvido com a política no morro, afirma que o Vidigal apresenta, em escala reduzida, as mesmas características arraigadas na sociedade brasileira. “É um círculo vicioso. O cidadão não tem consciência de seus direitos, embora reconheça os problemas. Quando tem ciência de seus direitos, nada faz para se organizar e cobrá-los. A ignorância leva à inércia, que leva a uma alienação ainda maior, que leva...”
...a um terreno fértil para o oportunismo eleitoreiro. A batucada de um bloco carnavalesco interrompe e ao mesmo tempo confirma a fala de Paulo. Ritmistas da comunidade ocupam a praça na entrada do Vidigal pela terceira sexta-feira consecutiva, sempre à noite, na volta dos trabalhadores a seus lares. Entre um samba e outro, Rogério, mestre de bateria, agradece pelas caixas de som a um candidato a deputado estadual. Panfletos são distribuídos entre os foliões. A gratidão de Rogério deve-se à Kombi para o transporte dos instrumentos e à cerveja que, por R$ 3 o latão, molha a garganta do público presente ao carnaval fora de época. “Proposta? Não, não sei qual é. Mas é como diz o Tiririca, pior não fica...” aposta Fábio Custódio, futuro pierrô. O puxador ataca com um samba não tão antigo, mas de enredo manjado: “Me leva que eu vou, sonho meu...”
Descrença e revolta
Marinaldo Freire, que perdeu sua família – mãe e filho soterrados – no temporal de abril, recusa-se a comentar sobre o ocorrido porque acredita que seria em vão. É sua irmã Lia quem lhe serve de porta-voz, e vocifera: “Não adianta chorar, dar entrevista. Nada trará Ana e Dário de volta”. Questionada se a veiculação do testemunho de Marinaldo não poderia servir para pressionar os órgãos públicos ou, ao menos, como alerta à população em áreas de risco, Lia é taxativa, antes de bater o portão de sua casa com certa impaciência: “Político só se lembra que pobre existe em eleição, e ninguém se importa com a tragédia alheia até que a sinta na própria pele”.
Uma chuva fina cai em prenúncio de que o tempo vai piorar.
1 comentários:
Ótimo blog! Continuarei acompanhando.
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