Evandro Pereira Silva
Deslizamentos de terra provocados pela chuva torrencial que desabou no Rio de Janeiro entre os dias 5 e 7 de abril causaram a morte de duas pessoas no Vidigal, Ana Maria Freire e seu filho Dário, soterrados enquanto dormiam. A casa em que viviam foi erguida em área de risco, em plena encosta. O armador de construção Marinaldo, chefe da família, escapou porque estava na cozinha, único cômodo da casa a se manter de pé, no instante do desabamento, por volta de quatro da manhã do dia 6.
A tragédia ocorreu exatamente quatro anos depois que os Ministérios da Justiça e das Cidades, no âmbito dos Programas Segurança Cidadã e Papel Passado, deram início a um projeto de regularização fundiária que proporcionaria aos habitantes do morro do Vidigal o reconhecimento de seu direito à moradia. Após levantamentos físicos, socioeconômicos e cadastrais feitos pela empresa Ambiental Engenharia – trabalho dado como encerrado em 30 de abril de 2009 – e posterior encaminhamento à Defensoria Pública para tramitação processual, o projeto registraria títulos de habitação em nome dos proprietários. A Defesa Civil foi notificada sobre moradias em áreas de risco. O registro de títulos, por sua vez, seria uma medida para viabilizar a urbanização da área. Seria, pois toda a documentação produzida parou na Defensoria devido à forte demanda, aproximadamente um ano após o término do levantamento.
Sebastião mostra os tubos dos “ecolimites móveis” (Foto: Evandro Pereira) |
Entre os moradores, cientes do histórico de deslizamentos no local, é disseminada a opinião de que o projeto de regularização fundiária acarretaria o ônus dos impostos sem a contrapartida dos benefícios básicos prometidos. São testemunhas de que, diante do risco de deslizamentos e desabamentos apontados pelo levantamento ou em vistorias anteriores, a Prefeitura, por meio da Geo-Rio, órgão da Secretaria Municipal de Obras responsável pela análise geotécnica de encostas, ateve-se à demarcação do ecolimite – área limítrofe de segurança para meio ambiente e habitações. “Ninguém respeita esse limite. São estacas, tubos de PVC recheados com concreto, de uns dois metros. Qualquer um tira do chão. Tira, constrói, depois finca a estaca mais à frente”, conta o pedreiro Sebastião Silva.
O barranco invade a casa de Ediram (Foto: Evandro Pereira) |
Dentre os que receberam a visita dos agentes, muitos se negaram a efetuar cadastro, outros se arrependeram, por temerem a possibilidade de remoção. A empregada doméstica Ediram Campello, que viu a terra de um barranco invadir seu quintal, relatou a visita da Defesa Civil após as chuvas. “Estiveram aqui e pediram a desocupação da casa. Mas para onde eu iria?” Ofereceram a ela duas possibilidades, a Escola Municipal Djalma Maranhão, na subida do morro, e um abrigo da prefeitura em Campo Grande. “Em escola não tem como ficar, porque tenho filhos pequenos e não teria como cuidar deles. Campo Grande eu nem sei onde fica, trabalho na Lagoa, o que eu conheço da cidade é o que vejo no caminho da casa ao trabalho.”
Maria Alves duvida dos laudos da Defesa Civil (Foto: Gabriela Charpinel) |
Vidas em risco, vidas em trânsito
Evânio Pereira, membro de uma ONG que atua em questões de habitação da comunidade, esteve em contato com um funcionário da Geo-Rio que, em visita técnica à favela, julgou isentas de risco edificações condenadas pela Defesa Civil. O que só faz aumentar a dúvida: ficar e viver sob o risco de desabamentos, ou partir e viver em trânsito?
“Um projeto de urbanização não pode concentrar recursos e esforços somente na questão da habitação, o problema do transporte de massas também deve ser contemplado, um está intimamente ligado ao outro”, analisa Nilton Ferraz. “Em situações de maior gravidade e urgência deve-se priorizar a vida. Os reassentamentos são impopulares, e há um grande custo político envolvido. A resistência à remoção será maior na medida em que persistir a falência dos sistemas de transporte.”
Ainda desolado pela tragédia que se abateu sobre sua família, Marinaldo fez sua escolha. Mudou-se com a roupa do corpo – tudo que lhe restou – para a casa da irmã Lia em Rio das Pedras. Próximo à Barra da Tijuca, bairro onde trabalha na construção de um prédio de alto luxo. Agora, em vez de quatro horas da manhã, levanta-se às cinco.
Nota:
Defensoria Pública, Secretaria Municipal de Habitat e Urbanismo, Secretarias Estaduais de Obras e Habitação e ITERJ não responderam às tentativas de contato da reportagem. A Secretaria Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, em e-mail de 28 de abril de 2010, afirmou que a solicitação de entrevista “está sendo encaminhada para verificação”.
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