quinta-feira, 20 de maio de 2010

O eterno recomeçar em busca de noites tranquilas

Priscila Motta (texto e fotos)

Maria Aparecida Sacramento dos Santos, 51 anos, lembra-se de quando, aos 9, veio de Volta Redonda com a família e foi morar no Morro do Céu, um lugar pobre que já sofria com os problemas causados pela proximidade do lixão hoje desativado: a destruição ambiental, a desvalorização do local, a violência crescente.

Foi neste cenário que Maria Aparecida cresceu, em uma pequena casa, no alto de uma longo e acidentado caminho de terra. A cada chuva, o medo de um deslizamento roubava noites de sono. Mas, sem recursos, a família não conseguia se mudar para um local mais seguro. Para Maria Aparecida, a vida melhorou quando ela se casou com Valdevino Leite dos Santos, também vindo de uma família muito humilde da região, mas que, com muito esforço, conseguiu comprar uma modesta residência no Morro do 340, no Fonseca.

Ela empregada doméstica, ele comerciante dono de bar numa rua próxima, foram aos poucos fazendo melhorias na casa, onde criaram os filhos. A vida parecia estar tomando um rumo diferente, naquele lugar aparentemente seguro onde se reunia a família e os amigos. Mesmo uma notícia ruim – a morte de uma irmã, vítima de diabetes – resultou numa atitude que tranqüilizou Maria Aparecida: a mudança de sua mãe, Maria José, e de um irmão, do Morro do Céu para uma casa centenária da família de Valdevino, na Avenida Jerônimo Afonso, próxima ao 340. Dona Maria José decidira se mudar porque não suportava a lembrança da filha na casa antiga.

Desaba o temporal 

Noites calmas: este era o desejo de Maria Aparecida. Mas foi exatamente numa noite que a vida de sua família virou pelo avesso.

Chovia muito na noite do dia 5 de abril. Todos já estavam em casa, depois de mais um dia de trabalho, quando ouviram um estrondo. Inicialmente, pensaram que fosse apenas um trovão; nunca imaginariam o que estava prestes a acontecer. Logo depois ouviram gritos. Assustados, correram para ver o que era; foi quando vizinhos passaram correndo avisando que o morro estava vindo abaixo. Só tiveram tempo de deixar tudo para trás e sair correndo dali.

Em busca de abrigo, foram até a casa de dona Maria José. Mas, ao chegarem, viram a avalanche de água e lama que descia da encosta atrás da casa. Tiveram tempo apenas de salvar a senhora e seu filho. A moradia foi completamente destruída momentos depois.

O filho perde a casa

A casa destruída de André, no Morro do 340
Pior ainda foi o que ocorreu com André, o filho mais velho de Maria Aparecida, que também morava no 340: uma gigantesca pedra desceu do barranco, atingindo parte da casa. Por sorte ninguém se feriu e, com ajuda de vizinhos, ele conseguiu retirar sua família daquele imóvel que passou oito anos construindo, onde morava havia poucos dias, e que instantes depois já não existia mais.

“Graças a Deus estamos todos vivos, mas perdemos nossos vizinhos, que a gente amava muito”, diz Maria Aparecida, lembrando-se dos momentos de pânico, em que viu um corpo descer com a enxurrada. E se emociona ao falar da solidariedade que a família recebeu, de pessoas que nem mesmo conhecia, nos dois dias em que passou sem ter para onde ir: “Eles sempre chegavam com comida, perguntavam se a gente precisava de alguma coisa”.

A esperança de recomeçar 

Sem poder voltar para casa, interditada pela Defesa Civil, Maria Aparecida mudou-se com a família para uma pequena residência de uma de suas filhas, no bairro do Jóquei, em São Gonçalo, a cerca de 15 quilômetros de distância. Valdevino não foi: ficou morando em seu bar, felizmente não afetado pela chuva, e continuou tocando o comércio, para garantir o sustento da família.

“Minha filha ainda está pagando essa casa, mas se não fosse por este lugar estaríamos em um abrigo, sem ter para onde ir”. São dois quartos, sala, cozinha e banheiro onde agora se apertam os recém-chegados: Maria Aparecida, seu irmão, sua mãe, suas filhas e filho, além dos netos.

Já cadastrados, eles seguem agora à espera da primeira parcela do aluguel social, que possibilitará a locação de uma moradia mais confortável para as famílias.

 Antiga casa no Morro do Céu desapareceu no desabamento
Maria Aparecida só pensa em recomeçar. E até agora não entende como tudo aquilo pôde acontecer. Nunca tinha visto nada parecido.

A antiga casa no Morro do Céu também não existe mais. Desabou, como outras, no dia do temporal. O passado ficou soterrado em uma grande cicatriz na terra que pode ser vista ao longe.





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